Saturday, February 18, 2012

CARTAS NA MESA - Cynthia Domingues entrevista Alexsander Lepletier

Foi com enorme alegria que aceitei o convite dessa entrefvista pela Cynthia e espero que possamos fazer ainda muitas coisas juntos. Ela uma profissional que conquistou o meu respeito e admiração pelo trabalho maravilhoso que realiza, e ver alguém trabalhar e produzir tanto e com tamanha qualidade me deixa muito feliz.

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Conte um pouco das suas experiências Alex, por onde você passou abordando seu trabalho com as cartas, quais foram as experiências interessantes que você teve , e em que sites e outras publicações podemos encontrar mais sobre o seu trabalho?

As minhas experiências com o Lenormand sempre foram mágicas. Começando pela forma como o conheci que, por acaso, é tema do primeiro texto que postei no meu blog, chamado “Passaros no Jardim”. Eu fazia um curso de alemão na UFRJ em 1993, se não me engano, e um dia, ao sair da aula, decidi passear pelo gramado de um jardim que havia ali perto, quando vi um carta sozinha na grama que me chamou atenção. Era um casal de periquitos. Mais a frente havia mais e, então pude avistar um cesto com frutas e fitas coloridas, entre outras coisas, que seria uma oferenda a alguma entidade cigana. Aquela imagem ficou na minha cabeça e quando fui a uma feira esotérica, aproximei-me de uma cigana que jogava baralho cigano e perguntei-lhe o significado dos periquitos depois de lhe relatar o acontecido. Ela disse: Doença, problemas... entre outras barbaridades. Entendi logo que depois dos passarinhos tinha encontrado a raposa e ela queria era que eu me desesperasse e pagasse uma consulta. Rs A experiência me fez ter mais vontade ainda de saber o que significava aquela carta. Então, comecei a estudar e me matriculei num curso. A partir daí não parei mais!!! Foi amor a primeira vista! Ao longo de 12 anos de carreira como cartomante muitos acontecimentos me marcaram, mas mais do que nas consultas foram as experiências pessoais com as mensagens transmitidas pelas cartas em momentos chave da minha vida, mas sobre elas falarei mais numa próxima oportunidade. Com relação às minhas publicações sobre lenormand, só as tenho feito no meu blog que, confesso, está muito parado... mas tentarei dinamizá-lo mais.



Como você define o Petit Lenormand? O que ele aborda? Qual sua utilidade?

O petit lenormand é um vencedor. Pois é, tendo a sua origem num momento em que dezenas de outros baralhos surgiram quase que simultaneamente, no “boom” da produção de baralhos cartomânticos que ocorreu ao longo do século XIX, mas com mais intensidade na sua primeira metada, e com uma iconografia bastante similar a muitos deles, o lenormand se destacou e conquistou o mundo! Poderia ter sido qualquer outro... Antiga Sibila Cigana, Oráculo de Marselha, Jogo de Destino, mas foi o petit lenormand que vingou, encantou e conquistou ganhando destaque e estudos mais aprofundados. Bem, talvez não tantos quanto ele merece e até necessita, mas mais do que os seus irmãos.

Ele faz parte de um grupo de baralhos cartomânticos que utilizavam, inicialmente, imagens para representar os significados dos naipes. As imagens acabaram se sobrepondo a eles permanecendo nas versões reduzidas sendo associadas a naipes diferentes, mas mantendo seus atributos e algumas vezes sendo os próprios naipes substituídos por poemas relativos às imagens. Até acredito que a observação dessa parte de sua história possa ajudar a entender melhor a confusão que se faz hoje em dia na tentativa que se tem, muitas vezes forçada e incoerente de se ligar a imagem a eles. Também é outro assunto que renderia muito numa discussão!

Adorei a pergunta sobre sua utilidade. Ela pode revelar mais do que se pode esperar. Inicialmente é a mesma de qualquer outro oráculo: orientar e responder a questionamentos que ultrapassam nossos limites ou nos dar uma visão mais detalhadas e pormenorizada daquilo que já conhecemos. Eu entendo o oráculo como um amplificador de consciência, como se fosse uma câmera que é colocada acima de você e lhe permite uma visão panorâmica da vida de forma a nos permitir visualizar os caminhos que estão a nossa frente e onde eles irão dar nos tornando mais aptos a fazer escolhas mais adequadas às nossas necessidades ou vontades de acordo com o que nosso entendimento de momento e maturidade julgarem melhor.

Agora, levando em conta o contexto sociocultural e a época em que foi criado, aliados à sua iconografia simbologia vamos ver que ele, pelo menos inicialmente, era bem específico na sua função. Tendo sido criado para o entretenimento das senhoras e senhoritas da Europa vitoriana, o baralho apresenta uma estrutura adequada à realidade delas. Repare que não existe uma carta em possamos identificar a primeira vista o tema “trabalho”, em compensação, três representam amor e relacionamento: coração, jardim e aliança. Isso criou uma defasagem no baralho que foi logo compensada de diferentes formas dependendo do lugar ou do seu leitor. No Brasil elegemos o livro pra representar o trabalho, já a avó da escritora e cartomante Sylvie Steinbach usava a raposa. Tudo isso é muito arbitrário mas acaba ajudando a preencher essa lacuna. Nesse sentido o petit lenormand acabou “evoluindo”, aliás, ainda se encontra em evolução, pois transcendeu seus limites, mas só agora com sua chegada ao Brasil que sua simbologia começou a se alterar através dos sincretismos que aqui ocorrem para que ele se adeque à linguagem dos adeptos dos cultos afro-brasileiros que constituem a maior parte de seus utilizadores.

As lâminas do lenormand se identificam com os arquétipos do tarô?

Símbolos são manifestações de arquétipos, então os sistemas simbólicos irão se estruturar a partir do imaginário de uma sociedade, sendo assim, tarô e lenormand se relacionam, pelo menos dessa forma, agora, as imagens de ambos diferem algumas vezes e se assemelham em outras, mas não totalmente. O sol do lenormand encerra os atributos de otimismo, alegria e felicidade do sol do tarô, mas já não alcança os aspectos relacionais e afetivos do último, nem a ideia de identificação e consciência dos limites pessoais dele. O cavaleiro traz a iniciativa do mago e o impulso do carro, já a lua do lenormand, significando honras e méritos que nada mais é do que o resultado de ações nobres pode se relacionar com a justiça e a força mas não com o arcano XVIII, por isso não diria que elas se identificam mas representam os mesmos temas de formas diferentes.

Você julga importante considerarmos a época contemporânea para adaptarmos o nosso padrão de leitura? Por exemplo, o navio antigamente demorava uns 4 ou 5 anos para chegar em terras de países distantes, mas hoje em dia não passa de 60 dias um trajeto daqui para Nova York. Continuamos com a interpretação antiga ou a adaptamos a atual?

Acho que sim. Precisamos, muitas vezes, fazer uma releitura e contextualizarmos certos conceitos para que possam ser entendidos e até representar melhor a nossa realidade. No caso do exemplo que citou sobre a carta do navio, não vejo que tenha havido alteração na essência do que o símbolo representa. Mesmo levando meses ou anos no passado ou dias ou semanas hoje em dia, ele ainda reduz imensamente o tempo de percurso se esse fosse feito a pé e ainda assim usa um bloqueio e uma limitação como via para sua superação da barreira que ele mesmo constiui, no caso o mar. Talvez esses 60 dias, contextualizados, possam ser tão demorados quanto os longos meses de antigamente, levando em conta todo o imediatismo e instantaneidade, a dissolução virtual do espaço e do ritmo frenético em que funciona a sociedade atual.

O chicote é uma carta que necessita de uma adaptação, pois hoje em dia, ele é visto mais em sexyshops e na roça do que na cidade. Ele não faz parte do nosso dia-a-dia, por isso para fazer sentido, precisa de uma adaptação à realidade atual.

Como você pesquisa os símbolos contidos nas cartas para identificar seus significados?

Como falei anteriormente, os sistemas simbólicos são representações do imaginário popular e nele estão contidos, em suas fábulas, anedotas, brincadeiras, hábitos, personagens e imagens, os elementos constituintes de toda uma realidade, da forma como o homem se relaciona consigo e com o meio circundante; com o mundo. A mente humana funciona por associação, então usamos o que conhecemos e assimilamos como referencia para compreender o que nos é desconhecido. Dessa forma é fácil identificar as cartas no nosso dia-a-dia. É praticamente um estudo antropológico, psicológico e simbólico.


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Como o jogo é abordado lá fora? Qual a diferença entre a leitura Brasileira e a leitura Europeia?

A escola europeia, como sempre menciono, entende e lê os símbolos do lenormand a partir de uma perspectiva purista e orginal (original no sentido de origem mesmo, não de “exclusividade”). A montanha terá o valor que ela representa naquela realidade: uma barreira, um grande obstáculo; o jardim como um local de socialização, lazer e flertes. Já o Brasil adaptou o baralho ao simbolismo dos cultos afro-brasileiros que foram os responsáveis pela sua disseminação e pela sua enorme popularidade. Aqui as maiores alterações nos atributos originais se dão por conta de sincretismos religiosos. As imagens são lidas de acordo com a sua relação às entidades e deuses do culto, causando desde uma agregação de significados novos até a total alteração deles em relação à escola europeia. No caso da montanha ela perde o sentido de obstáculo e passa a significar justiça pela sua associação com o Orixá Xango por quem é regida.

Como se caracterizam as qualidades inerentes das lâminas na disposição de seus atributos? Podemos imprimir cromoterapia, numerologia, e os quatro elementos em sua interpretação? Podemos interpretar uma única carta isoladamente?

Essas associações são até possíveis mas acho que nem todos estão aptos a fazê-las. Para você associar numerologia ao lenormand, terá de saber muito ambos e entender que esses símbolos se afinizam somente em partes e nunca completamente. Às vezes um número pode conter mais de uma carta em si e uma carta mais de um número. O mesmo acontece com as cores, elementos etc. Outra questão é: qual a utilidade de tais associações? Nesse caso acho que a utilidade deveria ser levada em conta senão fica uma salada e uma confusão tão grande que acaba por atrapalhar mais do que complementar.

Com relação a interpretar uma carta isoladamente, não vejo mal nisso. Às vezes uma carta sozinha já responde uma pergunta, porém temos de entender quando é apropriada essa forma de leitura. Questões complexas precisam de mais elementos para serem entendidas de forma satisfatória.

O petit Lenormand se popularizou muito aqui no Brasil, sendo que alguns intérpretes imprimem suas crenças religiosas na leitura desviando-se dos significados simbólicos e adentrando em fábulas e mitologia. Até onde isso é positivo em uma leitura, e quando começa a deturpar a essência dos símbolos?

Sabe, Cynthia, inicialmente eu me opunha veementemente a isso, hoje minha postura é outra. Os sincretismos feitos no Brasil e sua alteração de significados acabam por ser parte da evolução do baralho e a matriz para o surgimento de um novo sistema simbólico que terá uma identidade genuinamente brasileira, pois tudo aqui é mistura, é plural, é híbrido, á amalgamado. Talvez a essência europeia esteja se diluindo, mas não a ponto de desaparecer. Ela acaba sendo uma matriz para que se construam, a partir dela, outras formas que dialoguem e representem melhor a realidade brasileira, afinal, o lenormand não é um oráculo quotidiano? E ele mesmo é produto de uma alteração do baralho que o originou, a Sibila dos Salões. Obvio que essa alteração que o originou nem se compara à que acontece no nosso País. As mudanças aqui não irão extinguir o lenormand, por isso acho que esse processo deve ser visto, de certa forma, com bons olhos e que mais livros europeus deveriam ser traduzidos e vendidos em nosso país para que possamos entende-lo como um todo e ter consciência do processo que está se desenvolvendo.

Você considera a utilização de métodos importante nas suas leituras, ou basta a sequencia de 3 e 5 cartas?

Eu acho que método ajuda muito, mas nesse ponto entendo que cada um deve escolher a melhor forma de trabalhar sem isso ser uma regra absoluta. É testar e ver de que como se consegue o melhor resultado e adotar a prática que melhor lhe convir. Nesse ponto não sou rígido.

O que, sob seu ponto de vista, deveria mudar na cartomancia Brasileira? E quais os pontos que devíamos reforçar?

O que acho o que deveria mudar é a falta de estudo e pesquisa dos profissionais. Nem digo os práticos, pois nesse campo o que importa é o resultado, mas nos teóricos. Há poucas publicações sobre o assunto e as poucas que encontramos são fracas e quando você lê a sua bibliografia entende por que. O pior é disseminarem informações incorretas afirmando-as como verdades e fatos de forma arbitrária ou porque ouviram e simplesmente acreditaram sem questionar nem pesquisar outras fontes e a veracidade de tais informações. Precisamos ler, pesquisar, conhecer mais história e simbologia!

5.

Você é da opinião de que se devem interpretar as lâminas com foco na intuição ou nos estudos simbólicos?

Eu acredito que precisamos da união dos dois numa leitura. Adoro o texto do meu amigo Pedro Camargo, no seu livro Iniciação ao Tarô, intitulado: “Intuição e Razão”. Pedro comenta que se você fica somente na razão, no estudo, a técnica, a sua interpretação é seca, fria e até mesmo limitada. Ao contrário, se você só fica na intuição, que é ininteligível, amorfa, você sente as coisas, percebe-as, mas tem certa dificuldade de transmitir essa informação que está sentindo e intuindo de forma clara e objetiva correndo o risco de ser prolixo ou mesmo incongruente. Agora quando você estuda, se enriquece, compreende os limites simbólicos das cartas acaba por ter elementos que te sinalizarão e farão a sua intuição ter sentido podendo até ir além do que o jogo está dizendo numa intepretação rica e coerente.

Previsões ou autoconhecimento?

Os dois. Eles nada mais são que faces da mesma moeda e, por isso, indissociáveis. Prever é mais do que antever acontecimentos, é revelar potenciais de vida e consequência de atitudes tomadas e isso nos afeta, nos faz refletir, ponderar, entender. As próprias previsões te fazem encarar situações muitas vezes que vão de encontro às nossas expectativas, indesejáveis ou inesperadas. Quando recorremos ao oráculo, de alguma forma, mesmo que possamos apresentar resistências, estamos nos sujeitando a transformações interiores, por isso não vejo separação entre os dois.

Por que hoje em dia existem pessoas tão compulsivas em relação a cobrança de respostas no jogo? Até que ponto pode desencadear uma dependência doentia?

Não sei se isso é uma característica das pessoas de hoje em dia, especificamente. O que ocorre é que a oferta e o acesso ao oráculo aumentaram demais o tornando acessível a todos. Geralmente, essa atitude desmedida e inadequada, onde se exige certezas absolutas que nem mesmo a objetiva e exata ciência consegue dar para quem a busca, é fruto da desinformação e de um comportamento imaturo que parte, na maioria das vezes, de pessoas emocionalmente desequilibradas e em forte crise de ansiedade, buscando soluções instantâneas para seus enormes e complexos problemas. A sociedade de hoje tem essa característica imediatista e compulsiva favorecendo tais comportamentos. Apesar de difícil, cabe ao consultor dar os limites ao consulente e informa-lo dos limites do oráculo, ou mesmo, encaminhá-lo a um terapeuta para que essa dependência não aconteça. No meu trabalho já deixei de atender várias pessoas por conta disso e essa foi a minha maior dificuldade ao trabalhar em atendimentos online em sites, pois nesse tipo de serviço que permite ao cliente pagar somente pelo tempo que durar a consulta, as mesmas pessoas vinham, em alguns casos, DIARIAMENTE, perguntar a mesma coisa! Por isso que eu entendo que ser tarotista, ou seja, trabalhar no atendimento, é mais do que fazer leituras acertadas. O consultor precisa estar muito bem preparado para poder lidar com esses comportamentos tão destrutivos e tão recorrentes na nossa rotina profissional que nos esgotam e nos afetam. Essa pergunta foi muito pertinente, Cynthia e acho que a resposta dela nos obriga a não só entender porque isso acontece ou como se lidar com isso, mas nos faz questionar a formação e o preparo do consultor de oráculos hoje em dia e acentua o quanto é delicado o exercício da nossa função.

Fale um pouco sobre o histórico do Petit Lenormand, porque segundo suas pesquisas não foi Madame Lenormand quem o criou, achei bárbara sua matéria sobre esse assunto em seu blog. Mas então, de onde veio o baralho? Qual foi o “ventre” que o gerou? Alguma Editora? A pedido de quem?

Apesar de pouco fantástica, para tristeza dos esquisotéricos de plantão, a origem do lenormand está documentada e não se encontra no povo cigano nem em mlle Le Normand como se afirma por aí.

É fácil perceber que os ciganos não seriam os responsáveis pela sua origem pela própria iconografia do baralho que apresenta símbolos estranhos à cultura cigana e pelo fato de sua cultura ser ágrafa e não trabalharem com produção de cartas ou qualquer outra publicação.

No caso de mlle Le Normand, raciocinemos: uma vidente famosíssima, aliás, a consultora de oráculos mais famosa da história, que publicou cerca de 15 livros, se tivesse, realmente criado um baralho, não teria escrito alguma obra ou o mencionado em alguns de seus livros? Outro fato a ser levado em conta é ela ter sido uma grande “marqueteira”. Tudo que podia fazer ou escrever para ficar em evidência, fazia.

Além disso, a data de edição de o primeiro baralho é por volta de 1840, ou seja, dois anos antes da morte de mlle Le Normand. Como então ela pode tê-lo jogado ao longo de sua vida? Precisamos questionar e pesquisar antes de afirmar qualquer coisa que ouvimos.

O que consegui averiguar, estudando a obra de Gioardano Berti foi que o baralho foi criado, possivelmente, por um artista local a pedido do fabricante de cartas, no caso, a Dondorf na Alemanha. É... o baralho de naipes franceses é alemão!

Mas nada disse tira o brilho, a funcionalidade, a praticidade e a espiritualidade do nosso querido baralho cigano!

Com vocês...

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