Saturday, December 30, 2006

Os Pássaros no Jardim


A primeira vez que ouvi falar em “Baralho Cigano” foi no começo da década de 90, só tendo-o visto de longe em mesas de consultas das poucas feiras esotéricas que eu frequentava na época. Foi um acontecimento incomum, de certa forma, que me despertou atenção para a beleza de suas cartas, fazendo com que elas entrassem e mudassem toda minha vida.

Eu fazia um cursinho de Alemão (CLAC) no campus da UFRJ na Ilha do Fundão e, numa tarde bonita e quente de um dos nossos abençoados meses de verão, saí da aula e fui dar uma volta, próximo à da Faculdade de Letras. Algo num gramado me chamou atenção: era uma carta! Muito colorida. Curioso que sou, fui ver o que era: dois periquitos! Olhei mais a frente e estava o que pensei ser uma “entrega” para alguma entidade cigana, um cesto com frutas, fitas coloridas, algumas outras coisas que não me lembro bem e um baralho aberto em leque de onde “os periquitos voaram”.
Sabe como é, passarinho não pára quieto e não gosta de ficar preso! Não sei como ainda tem gente que insiste em mantê-los enclausurados em gaiolas, mas isso é outra história.

Nessa época, dava meus primeiros passos no “mundo místico” e ainda era esquisotérico de carterinha: tudo era sobrenatural, fantástico, “um sinal”; e se ouvisse qualquer barulho no momento da visualização ou percepção desse “sinal”, era a confirmação! A carta não me saiu da cabeça, e com o Plutão forte que tenho no mapa natal, a coisa tinha mesmo de ser esclarecida ou não dormiria nos próximos seis meses!

Uma amiga de origem cigana, a bela Jordana dos Ventos, trabalhava comigo num hospital em Ramos, no Rio de Janeiro (na época eu era técnico em análises clínicas) e convidou-me para mais umas dessa feirinhas esotéricas que rolavam na Tijuca. E eu não podia perder! Palestras!!! Cristais! Incensos! “Festa estranha, com gente esquisita…” Tudo a ver comigo!

E lá fui eu. Sábado a tarde, feira pequena, pouca gente, houve duas palestras interessantes que já não me lembro o tema, pois já se passaram alguns anos.
Após assisti-las, enquanto apreciava as barraquinhas com pedras, fadinhas, incensos e panos, avistei uma cigana. Aquela era mesmo cigana! Uma mulher imponente, muito bem caracterizada e sem aqueles exageros habituais das pessoas que querem ser ciganos de qualquer maneira e acabam virando autênticas árvores de natal. Bonita e de olhar sério, profundo. Tomei coragem, aproximei-me dela e contei mais ou menos o que aconteceu, perguntando o que poderia significar aquela carta e qual mensagem ela me trazia.

Sua resposta foi seca, curta e grossa: “Doenças, aborrecimentos, problemas.”
E a lista de maus augúrios não parou por aí. Fiquei muito decepcionado pois julguei que estivesse querendo me impressionar para eu fazer um jogo com ela, para cobrir o prejuízo daquele dia com tão pouca gente, contrariando a imagem de uma pessoa séria que fiz dela.

Isso não me abalou. Suas palavras em nada se encaixavam com a beleza da imagem dos periquitinhos do Jardim. O bichinho do Lenormand nasceu aí. A partir daquele momento decidi que descobriria o que aquela carta significava e que baralho tão lindo era aquele.

Mais ou menos dois anos depois, numa manhã louca e animada (como eram quase todas naquele hospital), eu estava em minha sala, na seção de bioquímica prepararando os reagentes, tubos de ensaio e pipetas para iniciar a rotina, enquanto as amostras de sangue giravam loucamente na centrífuga ao som alto de dance e club music do meu inseparável rádio. Repentinamente, entra pela porta do laboratório a enfermeira Júlia Amado, portuguesa de Setúbal e grande amiga, falando bem alto (mais que o próprio rádio) e fazendo aquele escândalo habitual. Disse que ali pertinho do trabalho haveria um curso de baralho cigano e me perguntou se eu não queria fazê-lo com ela, já que também adorava “essas coisas”.

Mas que pergunta! - "Claro que sim!", respondi.

As aulas duraram cerca de um mês e fiquei encantado com a beleza das cartas: Cegonhas, Navios, Flores, Pássaros…
Ursos e Raposas, Estrelas Cintilantes de sorte e proteção.

D. Fátima, a professora, sendo também mãe de santo da Umbanda, frisou bem que teríamos de comprar o baralho cigano “Lenormand” da caixinha cor-de-rosa.
Nessa época nem sabia quem era Mlle Lenormand, e nem que Lenormand era alguma mademoiselle, mas aquele nome me chamou muito a atenção e nunca mais o esqueci.

Após um ano imigrei para Portugal. A intenção era vir trabalhar no Café de um amigo, legalizar-me e arranjar um emprego num Laboratório de Análises Clínicas, mas a vida dá muitas voltas, e as voltas que a minha deu aqui foram muito parecidas com aquele sangue na centrífuga ao som da dance e club music, no dia em que Júlia me avisou do curso.

Tudo foi diferente do que planejei - não consegui emprego no Café, não consegui emprego no Laboratório, não consegui me legalizar. Fui garçon, faxineiro e, depois de algumas das maiores dificuldades da minha vida as portas se abriram, mas não num Laboratório e sim numa Feira Esotérica, convidado para dar consultas de Baralho Cigano! Muito hesitante, aceitei. Ainda bem! A partir daí, a centrífuga parou de girar. Tudo mudou. Uma nova vida estava ali, na minha frente.

E hoje eu só me lembro daqueles Pássaros no Jardim e de como me fizeram voar longe! Estou aqui, ainda com o nome “Lenormand” na cabeça, mas dessa vez ele é bem familiar, já de casa.

Mas e o que queria dizer aquela carta? Alegrias? Amores?
Não sei, só me lembro das suas asas voando longe de onde deveriam estar, sem medo, sem gaiolas e livres!

Tenho um baralho com um poema na carta que diz:
“Uma tristeza de curta duração anunciam os pássaros que voam perto; mas se eles estiveram longe, suas viagens serão cheias de alegria”

Creio que percebi sua mensagem, e isso é o que importa.
E a partir de hoje estarei aqui com vocês, lenormando!



Beijos do Alex e feliz 2007!