#journeelenormand
Dia 25 de junho, Dia do Baralho Lenormand!Para celebrar essa data tão Importante, partilho com todos os estudantes, profissionais, pesquisadores e apaixonados, a tradução do capítulo 6, "Mlle Le Normand: Prophet or Sorcerer?" do livro "A Wicked Pack of Cards - The Orignis of the Occult Tarot", de Ronald Decker, Thierry Depaulis e Michael Dummet - St. Martin’s Press – New York – 1996.
O texto é a biografia mais completa e fidedigna de Mlle Le Normand, trazendo informações importantes sobre sua vida, sua forma de trabalho e as ferramentas que utilizava no seu ofício, bem como a relação de seu nome com baralhos como o Grand Jeu, Petit Lenormand e outros.
Esse texto contém citações aos outros dois que publiquei anteriormente para que tenhamos uma visão clara de como Mlle Le Normand era vista na sua época e de como construiu a sua imagem e fama através de inteligentes e ousadas formas de marketing pessoal, valendo-se de plágios e inverdades, tornando difícil separar a realidade da fantasia.
De qualquer forma, sua fama é inegável: foi a mais célebre e famosa cartomante da história!
... mas que NADA TEVE A VER COM O BARALHO LENORMAND, além do nome.
FELIZ DIA DO BARALHO LENORMAND!!!!
A
Wicked Pack of Cards – The Origins of the Occult Tarot
Ronald Decker, Thierry Depaulis e
Michael Dummet
St. Martin’s Press – New York – 1996
CAPÍTULO
6
Mlle
Le Normand:
Profetisa
ou feiticeira?
“Mlle
Le Normand, a célebre mística francesa, marcou profundamente a história de
forma que a mera referência de sua passagem seria supérflua. Basta dizer que
foi Mlle. Le Normand que previu para Napoleão sua fenomenal ascenção e sua
queda repentina. Mlle Le Normand foi uma das grande profetisas vivas tendo sido
reconhecida pela nobreza da Europa.” É dessa forma que um baralho de 52 cartas
fabricado pela The United States Playing Card Company of Cinccinati, chamado
Gypsy Witch é apresentado em seu folheto.
O
nome de Mlle Lenormand é, provavelmente, mais conhecido que o de Etteilla e
seus discípulos. Não só foi a vidente mais popular das primeiras décadas do
século XIX como se mantém como a adivinha mais célebre de todos os tempos. Sua
popularidade parece se dever bastante pelos seus escritos, nos quais diz ter
estado com pessoas famosas e ter ser tornado a confidente da Imperatriz Josfina
de quem publicou as alegadas “memórias secretas”. Embora sejam, praticamente,
esquecidos , hoje em dia, Mlle Lenormand escreveu quatorze livros, nenhum sobre
suas teorias do Tarô ou métodos de cartomancia, e sim sobre sua carreira e suas
ligações com pessoas importantes. Sua preocupação não era de popularizar uma
teoria ou sistema prático, mas propagar a crença em seus poderes como uma
sibila.
Apesar
disso, seu nome ainda é associado a um estranho conjunto de cartas, o “Grand
Jeu de Mlle Lenormand”, ainda produzido pela Grimaud, a principal empresa
francesa fabricante de cartas. Embora esse baralho bastante popular tenha 54
cartas, sendo 52 cartas “normais” e duas figuras extras, ele tem sido
confundido, algumas vezes, com um baralho de Tarô, como deixam claro os títulos
de dois livros recentes: Le Tarot de Mlle
Lenormand (Paris, 1989) de Dicta e Françoise, e Votre Personalité révélée par le tarot de Mlle Lenormand (Paris,
1992) de Carole Sédillot. O mesmo acontece com uma derivação da tradição Le
Normand, o “Petit Lenormand. Nesse caso,
o baralho é composto de 36 cartas e ainda é produzido no países germânicos de
onde ele parece ser uma especialidade local.
É
fácil compreender que o “Grand Jeu de Mlle Lenormand e seus primos alemães não
têm qualquer relação com o tarô. Que os últimos não têm nada a ver com Mlle Le
Normand, será claramente explicado e mostraremos que a sibila não era tão interessada em previsões
através de cartas. Marie-Anne Le Normand (1772-1843) é, finalmente, a figura
mais proeminente de uma época que assistiu os os últimos magos fora de moda
darem lugar aos modernos oraculistas que, parecem ter proliferado sob o reinado
de Napoleão (1804-15).
O
começo de Mademoiselle Le Normand
Apesar
de clamar às “altas ciências”, a primeira principal ocupação de Etteilla, que
era prever o futuro com as cartas, teve suas raízes na sociedade francesa.
Embora uma lei punisse “pessoas fizessem a adivinhação e prognóstico ou interpretação de sonho” seu ofício, Paris estava cheia de cartomantes
durante os primeiros anos do século XIX. Uma notícia de 1804 diz: “A polícia
repreende leitores de cartas (‘tireurs de cartes em vão pois surgem novos,
todos os dias.” Os arquivos de polícia revelam muitas dessas pessoas a quem
Éloïse Mozzani evidencia num dos mais bem documentados capítulos de seu livro –
Mozzani, 1988. capítulo XV ‘Les tireurs
des cartes sous Napoléon’. Cidadão ‘Irénée’ anunciava, em 1802 que ele
continuava a ler cartas, oferecendo explorar o passado, descrever o presente e
prever o futuro graças aos seus estudo da arte da Necromancia. Ele tinha,
ainda, segredos exclusivos, como ler a clara de um ovo e a borra do café, além
vender água de colônia. Detido, ‘Irénée confessou se chamar Bonier. Outra busca
policial feita no apartamento de uma mulher chamada Gilbert, no mesmo, ano,
revelou que ela possuía três baralhos, incluindo um que se chamava “Thot”’. Um
homem chamado Lyonnais predizia o futuro na rue de Bucy. Quando a polícia
chegou, apreendeu ‘dois baralhos contendo figuras estranhas, cada um.’
Madame
Lacoste, a mulher Grangou, o cidadão Meyer, Mademoiselle Virignie, os Somonets,
Madame Lebrun, a viúva Chevalier, sob o pseudônimo de ‘Madame Renard’ – Madamo
Raposa – são somente alguns poucos nomes dentre os muitos praticantes citados
por Mozzani que foram detidos e presos por curtos períodos pela polícia durante os anos de 1801-9. Mlle Le Normand
era, exatamente, do mesmo tipo exceto por ter escrito muitos livros. Isso fez
uma grande diferença.
Embora tenha enchido seus livros com episódios
de sua vida e as pessoas com quem encontrou e, embora, muitas obras tenham sido
publicadas ao longo de sua carreira – há, pelo menos seis biografias, sem
mencionarmos notas em dicionários – não é fácil delinear a vida real de Mlle Le
Normand. Muitas de suas afirmações são ilegítimas, muitas de suas biografias
são forjadas, reconhecidas ou não. Logo após sua morte em 1843, três livros
foram publicados. O primeiro deles, La
Sibylle de XIXe siècle, consiste no que pretende ser profecias feitas pela
própria Mlle Le Normand, escrito pouco antes de sua morte com um comentário
sobre elas e uma pequena biografia da autora; a biografia é anônima.
O autor do comentário intitula-se Hortensius
Flamel, um pseudônimo, obviamente. O nome Flamel é claramente emprestado do
célebre suposto alquimista do século XVI, Nicolas Flamel, o primeiro nome soa
estranho. A identidade de Hortensius Flamel tem sido sujeita a muita discussão;
devemos deixar nossas considerações sobre o assunto até o próximo capítulo.
Parágrafos inteiros da biografia incluídos no livro são repetições, palavra por
palavras, de um uma carta anteriormente publicada numa revista semanal chamada
Le Tam-Tam (nº 29 de 9-15 de julho de 1843). Essa carta foi enviada ao editor
por um senhor chamado Monsieur Alboise e foi dita ser baseada documentos não
publicados vindos de Aleçon, local de nascimento da sibila.
Alboise – Jules-Édouard Alboise (ou Alboize) du
(ou de) Pujol (185-54) – foi um contribuidor permanente da revista, como é
indicado na página principal; ele era um dramaturgo, administrador de teatro,
autor (sempre como colaborador) de pobres vaudevilles e superficiais romances
de época. De acordo com a nota sobre ‘Lenormand’ no Nouvelle biographie génerale (Vol. 29, 1859), Alboise du Pujol era
um parente de Mlle Le Normand, que teria casado com sua sobrinha e herdado
papéis particulares a partir dos quais planejava publicar um ‘Memorial’; porém
suas morte, como foi dito, impediu-o de realizar o projeto.
Logo após, em 1843, Francis Girauld, um poeta
obscuro, publicou Mademoiselle Le Normand: as biographie, ses prédictions
extraordinaires, ao qual ele adicionou uma “introdução filosófica nas ciências
ocultas”, apresentando a história da adivinhação, leitura de mãos e cartomancia
com os Tarôs Egípcios e o Jogo de Picket ‘como explicado pelas profetisas do
século XIX’”. A capa alega que que é a única biografia “oficial”. A introdução
e explicação da cartomancia com o Tarô são plagiados de Julia Orsini, Le Grand
Etteilla, ou l’art de tirer les cartes, publicados publicados em Lille em 1838,
enquanto a biografia é amplamente derivada de La Sibylle du XIXe siècle para os
primeiros anos e dos escritos de Mlle Le Normand.
Ainda no mesmo ano, uma voz cética vou erguida
por Louis Du Bois um folheto de 20 páginas intitulado De Mademoiselle Lenormand et de ses deux biographies, récemment
publiées (Sobre Mlle Lenormand e suas duas biografias recentemente
publicadas, Paris 1843). Baseado no livro de Girault, o autor ataca,
impiedosamente, a veracidade de Mlle Le Normand e suas afirmações de ter feito
profecias acertadas, sem oferecer evidências sólidas. Du Bois, que se
denominava bibliotecário da École centrale de l’Órne (i.e. o departamento do
qual Aleçon é a capital), abre seu panfleto declarando que Marie-Anne Le
Normand não nasceu em 1772, como afirmado tanto por Girault como em La sibylle
de XIXe siècle, mas a 16 de setembro de 1768, porém, mais uma vez, sem citar
qualquer evidência.
Dois anos depois, Narcisse-Honoré Cellier du
Fayel, ‘professeur à l’Àthénée royal, directeur du jornal Le génie des Femmes’ publicou La
vérité sur Mademoiselle Lenormand (Cellier du Fayel, 1845), contando como
conheceu Mlle Le Normand em seus últimos anos. Embora, primeiramente cético,
foi convencido pelos seus talentos, tornando-se um amigo íntimo. Sua descrição
é mais plausível que as anteriores e soa honesta a maioria das vezes.
Logo apareceram biografias em dicionários como
o Dictionnaire des sciences occultes
de Migne, (1855), no Nouvelle biographie
general depuis les temps plus reculés jusqu’à nos jours (Vol. 29, 1859) de
Firmin-Didot, e na nova edição de Biographie
universelle ancienne et moderne (Vol. 24, c.1860), de Michaud. Elas
refletem opiniões muito diferentes: As ferozes notas de Collin de Plancy são
equilibradas pela biografia mais complacente assinada por L. Boyeldieu d’Auvigny no dicionário de Lecanu.
Porém, Lecanu, ansioso por mostrar distanciamento, acrescentou comentários
críticos. A Nouvelle Biographie
oferece uma nota favorável pela Ed. de Manne, mas a Biographie universelle é duramente crítica sob a caneta de Du Bois.
Outra parte não tão grandiosa foi pesquisada,
em 1911, por Alfred Marquiset em seu La
célèbre Mademoiselle Lenormand. Marquiset é bastante sarcástico, mas bem divertido
– porém, seu livro é mais bem documentado até agora. Ele usou arquivos
policiais bem como dedicatórias e manuscritos. O livro mais recente sobre Mlle
Lenormand: Mademoiselle Lenormand: la reine de la voyance (1990), de Dicta
Dimitriads não traz informações reais, sendo fortemente romanceado, usando,
ainda, as mesmas estórias confusas e supersticiosas como fez Flamel, Girauld e
outros de forma a apresentar suas heroína de forma bajuladora. Não é surpresa
que a biografia de Marquiset não seja nem mencionada!
Marie-Anne Lenormand nasceu em Aleçon, na
Normandia, em 27 de Maio de 1772. Até mesmo sua chegada no mundo é cercada de
controvérsia; como vimos, um de seus muitos biógrafos, mantém que ela nasceu a
16 de setembro de 1768. Algumas décadas mais tarde, Ed. de Manne apresentou a
sua data completa de nascimento, contradizendo Du Bois. Pesquisas recentes nos
livros paroquiais de Aleçon confirmaram
que Marie-Anne-Adelaïde Le Normand nasceu e foi batizada no mesmo dia, 27 de
maio de 1772. Seu pai, Jean-Louis-Antoine Le Normand era um comerciante de
tecidos e morreu no ano seguinte. Sua mãe, Marie-Anne Gilbert, com quem
Jean-Louis Le Normand casara em 1767, teve outro marido em 1774, Isaac
Rosay–Desfontaines. Infelizmente, ela faleceu em 1777, deixando Marie-Anne órfã
aos 5 anos de idade. Isaac Rosay casou-se de novo e mais outra vez em 1779, a
segunda faleceu. Dessa forma, Marie-Anne Le Norma era uma estranha para os seus
pais legais.
De acorodo com a carta de Alboise para a Le
Tam-Tam, reproduzida por Flamel e Girauld. Marie-Anne deixou Aleçon, indo para
Paris; não é certo se ela se juntou ao seu padrasto, Isaac Rosay-Desfountaines,
que tinha se estabelecido lá e aberto uma loja na rue du Colombier, ou outro
comerciante – talvez com a indicação de Isaac – ou ainda, se ela foi
simplesmente atraída pela capital e saiu sem planos. Uma vez em Paris, é dito
que reencontrou um conterrâneo, Jacques-René Hébert, que se tornaria famoso
entre 1790 e 1794 com o seu Le Père
Duchese, o mais bruto e violento jornal do período revolucionário. Ela se
apaixonou por ele? Não há nada certo, mas não é provável que tenham sido
amantes uma vez que a última confidente de Mlle Le Normand, N.-H. Cellier du
Fayel, revela que ela morreu “em sua pureza natural de nascimento”.
Nada muito confiável pode ser estabelecido dos
anos seguintes. De acordo com Dimitriadis que, não só confia em Flamel e
Giraud, mas acrescenta muitos detalhes ainda desconhecidos, Marie-Anne Le
Normand estava vivendo em precárias condições quando decidiu deixar Paris para
ir para Londres e visitar o célebre Dr Gaal, com quem se encontrou em setembro
de 1789. Entretando, Du Bois e Cellier apontaram que Gaal não só era
desconhecido naquela época, como nem tinha deixado sua terra natal, a Alemanha.
Além disso, ele não tinha exposto em francês suas pesquisas sobre crânios até
1808. Mesmo sendo uma profetisa, não seria razoável que a jovem Mlle Le Normand
tenha ouvido falar das teorias de Gall em 1789! Também é uma extravagante
superstição que ela tenha viajado sozinha para outro país aos dezessete anos.
Marie-Anne Le Normand nos diz que em 1793 ela
era secretária do Monsieur d’Amerval de la Saussotte. Numa longa nota nos sues
Souvenirs prophétiques d’une sibylle, ela explica como d’Amerval de La
Saussotte, um opositor da realeza, planejou ajudar a rainha Marie-Antoinette a
escapar da prisão. Marie-Anne se juntou ao plano, mas somente teve sucesso em
encontrar-se com a rainha na prisão. Maria Antonieta, ela conta, tinha um
baralho para ler a sorte. Infelizmente, como mostra Alfred Marquiset, tudo
nessa história é uma farsa. Mlle Le Normand usou a moldura de um caso real – o
‘Caso dos Cravos’ – e, simplesmente, mudou os nomes, colocando o seu no lugar
de um homem chamado Gonse, acrescentando mais alguns detalhes.
A segui, encontramos Marie-Anner sendo detida
na companhia de Fraçois Flammermont e Louise Gilbert. De acordo com um
documento arquivado reproduzido por Cellier du Fayel em 1845, eles foram
sentenciados à prisão e multados em 10 livres no dia 20 de Floréal do ano II (9
de maio de 1794) por serem ‘diseurs de bonne fortune’( leitores da sorte). O
ato menciona que eles usavam ‘convites’ e ‘cartas’. Todavia, Alfred Marquiset
mostrou dúvidas quanto a esse documento que foi publicado somente em 1845 e
‘deve ter vindo direto da fábrica Lenormand’. No seu livro de 1814, Mlle Le
Normand queixou-se de ter sido presa ‘sob o terrível sistema do Terror’ (ou
seja, 1794); mas ela explica a sua estadia na prisão por ‘pregado uma
contrarrevolução’!
A primeira evidência documentada que temos de
Mlle Le Normand é nada mais que um jornal diário chamado Le mot à l’orreille, ou le Don Quichotte des dames (A palavra no
ouvido, ou as mulheres de Don Quixote), cuja primeira edição apareceu no dia
11º Vendémiaire, ano VI (2 de outubro de 1797). Era uma gazeta simples, cheia
de notícias, humor e notícias do Conseil des Cinq-Cents (Parlamento). A única
alusão à divinação é a ‘previsão’ do tempo na sua quinta edição. Le mot à l’oreille não parece ter tido
muito sucesso: depois de oito edições, Mlle Le Normand desistiu. Todavia, é
interessante ler que ela é ‘editora-proprietária’ – na verdade ela se coloca
como ‘rédactrice’, o que nos leva a
crer que ela escreveu todos os artigos -
e que seu endereço seja ‘1153 rue de Tournon, faubourg Saint-Germain’.
É provável que esse seja o atual o nº5 da mesma
rua. Embora a rue de Tournon não tenha mudado desde aqueles dias - muitos dos edifícios são do final do século
XVIII – a numeração atual só foi introduzida em 1805. Antes disso, eram usados
sistemas diferentes baseados em todo o distrito envolvendo números altos. É
verdade que Jacques-René Hérbert tinha seu negócio lá até 1792. Foi inferido
que Marie-Anne Le Normand foi a sucessora de Herbert em sua loja, mas não temos
indícios reais de sua situação durante a revolução. Cellier du Fayel cita que
ela só se estabeleceu em 1799 – embora saibamos que ela já havia se
estabelecido lá desde 1797 – acrescentando que o número 1153 rue de Tournon se
tornaria número 9. Para Marquiset, ela estaria viveu no número 9 ‘por volta de
1798’, mudando-se para o número 5. Mas, numa carta que Mlle Le Normand enviou à
Imperatriz no dia 28 de novembro de 1804, ela ainda dá o endereço como ‘rue de
Tournon nº1153, fabourg Saint-Germain’. A situação se torna complicada com
o arranjo das premissas: nº5 e nº7 de um
prédio com três lojas e uma entrada principal. Uma vez numerado ‘5’, a
localização na rue de Tournon permaneceria o endereço da célebre sibila até
seus últimos dias.
Já era Mlle Lenormand, popular? Não há
evidências a não ser em sues próprios escritos. Ela, realmente, leu a sorte
para o conde de Provença que se tornaria o Rei Luís XVIII, Mirabeau, general
Hoche, Camille Desmoulins, Danton, Saint-Just, Marat, Barras, Robespierre,
Talleyrand, o ator Talma e,por úlitmo mas não pior, Joséphine de Beauharnais?
Louis du Bois demonstrou que isso seria logicamente impossível para muitos
deles , já em 1843. Cellier du Flamel duvidou de qualquer celebridade. Para
ele, Marie-Anne Le Normand viveu humildemente até 1800.
Alfred Marquiset ofereceu uma boa reconstrução
hipotética das Ascenção de Mlle Lenormand: ‘O primeiro lugar que fez suas
tentativas foi nos barcos das lavadeiras, sempre apaixonadas uma
necromanciazinha; por alguns centavos elas as alimentava com maravilhosas
esperanças que elas não resistiriam em contar aos seus clientes tais
maravilhas. Passo a passo, ela chegou aos comerciantes, então à burguesia, e às
mulheres do mundo através de suas criadas; daí até à alta sociedade só era
preciso mais um passo. Encontrando-se com pessoas de alto nível, Mlle Le
Normand aprimorou sua educação preocupando-se com o conhecimento específico que
precisaria para o seu ofício. Desenvolvendo sua astúcia normanda ela pôde
arrumar relações secretas todos os lugares e deslumbrar, frequentemente, com
suas revelações tendo pago por isso do seu próprio bolso.
A vidente de Joséphine
No dia 2 de maio de 1801, Marie-Anne Le Normand
foi convidada a ir até la Malmaison, a residência de Joséphine de Beauharnais
numa aldeia a oeste de Paris. Marie-Josèphe-Rose Tascher de La Pagerie, a
primeira esposa de Napoleão Bonaparte, nasceu na Ilha da Marinica em 1763. Ela
se casou com Alexandre de Beauharais em 1779, então, depois da morte de
Beharnais em 1794, casou com Bonaparte em 1796. Como o convite foi anônimo,
Mlle Lenormand não tinha a menor ideia de quem encontraria. Foi pela sua arte
da quiromancia que ela identificou Joséphine – a quem não, aparentemente, não reconhecera
apesar dos seus primeiros clontatos durante o Terror. Não somente estava ela
diante da esposa do primeiro cônsul, como o próprio Napoleão Bonaparte estava
lá. O único problema é que nossa única fonte disso é o próprio livro de Mlle Le
Normand, Les Oracle sibyllins ... de
1817.
É incerto que ela tenha mesmo se tornado parte
das relações de Joséphine, uma vez que Alfred Marquiset cita um cartão postal
de 28 de novembro de 1804 na qual Mlle Le Normand endereça à Imperatriz como
uma ‘sybille [sic para sybille]française’
‘implorando humildemente à Sua Majestade Imperial para em sua bondade
conceder-lhe um grande favor’: o ‘livro
do destino’ disse-lhe ‘que receberia um pequeno trabalho de sua digníssima
pessoa.’
Mais uma vez, é difícil separar o que é verdade
e o que pura invenção. Mademoiselle Ducrest, que visitava Joséphine de
Beaharnais frequentemente, concorda que ela tinha inclinações para superstições
e adivinhação. Alfred Marquiset também se refere à Duquesa d’Abramtès a à
‘Mademoiselle Avrillon’, ambas dando evidência de que Josephine teria
consultado Mlle Le Normand, diretamente ou através de um mensageiro.Todavia,
historiadores provaram que as duas últimas foram forjadas como muitas outras
memórias no período Napoleônico. O que é óbvio é que Marie-Anne Le Normand se aproveitou bastante da situação.
Não só contou sobre seus alegados encontros com Joséphine com riqueza de
detalhes em muitos de seus livros como ainda publicou Mémoires Historiques et secrets de l’imperatrice Joséphine, Marie-Rose
Tascher de La Pagerie, em duas edições, 1820 e 1827, orgulhando-se de ter
sido confidente e conselheira de Joséphine.
Relatos mais sérios evidenciam grandes
contrastes. Um documento policial relata: ‘há multidões na Lenormand, a famosa
leitora de cartas da rue de Tournon’, e acrescenta que Metternich, o home o
estadista austríaco, então embaixador em Paris, visitou-a em 1808.
Jacques-Barthélémy Salgues, no seu Des
erreurs et des préjugés répandus dans la société (Dos erros e preconceitos
na sociedade) foi forçado a confessar que ‘longas filas de carruagens’
esperavam em frente em frente à ‘famosa
senhorita L.R.’, significando Le Normand. Então, Mlle Le Normand estava em voga
e rica. Parece que ela comprou uma casa de campo em Migneax (perto de Poissy,
Yvelines), por volta de 1802 e, provavelmente, mais tarde, um apartamento na
rue de la Santé, em Paris. Talleyrand, Mme de Staël e Talma podem a ter
consultado.
Mas há um lado negro. No seu L’hermite de la chausée d’Antin,
Victor-Étienne Jouy conta: “Há uma sibila moderna em Paris cuja reputação e
sustento se baseiam somente na credulidade infantil de das mulheres da melhor
sociedade...” é no centro de Paris, na rue de Tournon, no enigmático letreiro
do Bureau de Correspondence générale’.
Os arquivos policiais revelam que ela era constantemente detida e presa. Em
dezembro de 1803 ela foi manda para a prisão no ‘Madelonnetes’ por sua ‘sala de
estar ser um antro de conspiradores’. Os relatos policiais multiplicaram. Em
setembro de 1804 conta que ‘Mlle Le Normand, que reside na rue de Tournon
engana tolos todos os dias. ’
O grande assunto de 1809 foi o divórcio de
Napoleão de Joséphine. Mlle Le Normand foi detina em 15 de dezembro como consta
nos realtos policiais. “A mulher Normand [sic],
que ganha a vida lendo a sorte, foi presa. Quase todo o tribunal costumava
consulta-la sobre atualidades. Ela fez horóscopos de para as pessoas mais
importantes e ganhava mais de 20.000 francos por ano com o ofício.’ Mas temos
outra testemunha: a própria Marie-Anne Le Normand. Ela usou um livro de 602
páginas (Les souvenirs prophétiques d’une
sibylle...), publicado em 1814, para nos dizer porque e como ela foi para
cadeia por alguns dias em 1809. Ela foi interrogada sobre seus clientes,
técnicas e previsões e, então, liberada. A verdadeira razão da sua detenção,
ela conta, foi por ter previsto o divórcio de Napoleão de Joséphine e tentado
impedi-lo. Desde então, a polícia pareceu deixá-la em paz.
Em 1812-13, Mlle Le Normand tinha uma livraria
na rue du Petit-Lion-Saint-Sulpice (ou Petit-Bourbon-Saint-Sulpice, a rua
próxima rua depois da Tournon), que deve ter comprado de um antigo livreiro,
Fréchet, em cerca de 1810. Foi nesse endereço que ela publicou seus primeiros
livros.
Le souvenirs prophétiques foi publicado ‘à Paris, chez l’autir, rue de
Tournon, nº 5, et à son magasin de librairie, rue du Petit-Bourbon-St-Sulpice,
nº1 (‘pode ser adquirido com o autor, ... e em sua livraria...). O livro foi
editado por Lenormant, um editor que não tem qualquer relação com Marie-Anne. A
gravura mostra a chegada dos policiais na sala de consultas de Mlle Le Normand.
Um prefácio (‘Petit avant-tout’) apresenta o livro que é organizado como uma
história sequencial: primeiro, ‘Ma vision’, então ‘Le réveil’ (‘o despertar’),
‘Le depart’ (‘A partida’), ‘Premier interrogatoire’ (‘Primeiro
interrogatório’), ‘Deuxième interrogatoire’, seguido pelos onze dias de sua
prisão, algumas ‘reflexões’, ‘uma palavra no ouvido’, o ‘billet doux’, uma
viagem ao inferno, uma ‘Description de l’île d’Elbe’, e, por último, mas não
menos importante, algumas 282 páginas de notas!
Como podem imaginar, não precisamos resumir
esse livro sufocante cujo propósito era mostrar o quão brilhante ela se
comportou e o quão ridícula foi a polícia e, é claro, promover sua arte e previsões. Nesse fluxo de
situações falsas e digressões históricas, ainda assim conseguimos pegar algumas
das técnicas divinatórias da sibila. Em ‘Le rèveil’ (pp.8-9) ela litas alguns
de seus instrumentos, os quais explica em generosas notas: O espelho flamejante
de Luca Gaurico, as trinta e três varetas gregas, sua ‘cabale de 99 de
Zoroastre’, sem mencionar seus grimórios, sua varinha divinatória, seu precioso
talismã... Mas a primeira pergunta dos policiais é sobre leitura de cartas:
‘Vou faites le cartes (26)?’ (você lê as cartas?). Na sua resposta ela lhe
oferece uma leitura. Mas a promissora nota 26 é decepcionante. Estranhamente,
Mlle Le Normand insere um conto popular conhecido como ‘a história de Grenadier
Richard’, onde um soldado assiste uma missa com um baralho de cartas na mão e,
quando repreendido, explica que cada carta tem um significado bíblico. No
segundo interrogatório, ela é, mais uma vez questionada sobre as cartas.
Marie-Anne Le Normand econtra uma oportunidade de nos contar a origem das
cartas de jogar na sua nota número 31, referindo-se ao abbé de Longuerue e a
Jacquemin Gringonneur. Supreendentemente, não uma nota seque, sobre o tarô em
toda a obra!
O livro foi um evento único. Reviews apareceram
no Le Nain Jaune de 20 de março de
1815 e no Le Journal des Débats, onde
Hofman, seu editor, publicou uma série de artigos em agosto e começo de
setembro de 1815. Marie-Anne Le Normand respondeu no Le Courrier de 20 de setembro.
A volta dos Bourbons
Marie-Anne Le Normand sempre alegou ser da
realeza. Não só tinha simpatia pela família real em 1793 com, é claro, previu a
Restauração de 1814-15 (mas não previu os “Cem dias de Napoleão”!). Era de se
esperar que, depois de um pequeno livro celebrando o aniversário da morte de
Joséphine, ela publicou La sibylle au
tombeau de Louis XVI (A sibila no
túmulo de Louis XVI, Paris, 1816) onde ela se encontra com um anjo que lhe
narra a batalha de Waterloo através de um generoso vasto relato!!! ... Logo
depois, em 1817, Les oracle sibyllins
foi publicado. Esse volumoso livro é a continuação do seu Souvenirs prophétiques e no mesmo estilo, ela tenta provar que previu a queda de Napoleão. Nós sabemos que o
imperador gostava de ler as obras de Mlle Le Normand, mas que não acreditava na
bizarra visão que tinha. Ela revela um pouco de sua técnica e, particularmente, seu método de leitura de
cartas. Ela, claramente, usa um jogo de piquet , ex. baralho de 32 cartas. Ela
cortava três vezes e dispunha as cartas em oito montes. Então, começava as
tirava e começava a leitura. Apesar de citar as cartas que tirou para a
leitura, ela não tem problemas em descrever seu significados!
Algumas linhas a frente ela dá mais
explicações: ‘o Rei de Espadas, junto com o 8 de ouros, significa que um homem habilidoso
parou julgamentos, se possível, o avanço de uma doença ... Felizmente, o 9
de copas, que está no topo, que verá,
rapidamente, o fim de suas cruéis precupações’ (pp. 151-2). Como se pode ver,
seu sistema é bem simples, sem nenhuma teoria elaborada. Uma grande revelação
nos espera na página 159: O uso de CARTAS
DE TARÔ – escrito tharots, na época – é, finalmente,
mencionado por Mlle Le Normand. Como sempre, ela é bem vaga: ‘O louco, que
estou tirando de sua mão significa que seus projetos são insustentáveis.’, diz
ela (p.159), então: ‘Mas eu vejo o Diabo ao lado da Morte’ (p. 160). Nenhum
significado é dado, mas uma vez que o consulente bateu em sua mesa e derrubou
seua ’78 cartas de tharot’, podemos supor que não foram boas notícias. Os nomes
das cartas de tarô mencionadas por Mlle Le Normand não podem ser encontradas no
Grand Etteilla I, onde são chamadas, respectivamente: Folie, Force majeure e Mortalité. Fol, Diable e Mort são, atualmente, nomes clássicos no tarô de
Marselha.
Outras técnicas divinatórias são mencionadas no
resto do livro: économancie (ex.:
previsão com uma bacia de água fresca com folhas de louro e verbena, mais
sal!), o aço eléctre (que ‘só há na
Europa’), os nove pontos do livro de Thoth (sem qualquer explicação), leitura
de mãos, é claro (com uma grande nota 14), onomancia, com a clara do ovo,
chumbo derretido, etc. Ela lista o que ela trazia consigo: ‘meus diferentes
tharots, meu grande grimório, minhas famosas chaves [de Salomão], Cornélius
Agrippa, minhas varas gregas, meu espelho mágico, o tratado dos sonhos, segundo
Joseph, minha famosa varinha divinatória, 9 dracmas de chumbo fresco, sete
pedaços de cera ... , borra de café o anel cigano’ (p. 337). Isso é, no mínimo,
a parafernália de uma feiticeira. Nenhum método cartomantico é apresentado, mas
há uma descrição de como Mlle Le Normand usa as suas varas gregas: ‘Pego minhas
33 varas gregas e jogo-as aqui e ali, numa área triangular, porém tiro, com
cuidado, o terrível Agamenon e seus seguidores, fazendo isso de novo, sete
vezes.’ (p. 196).
Em outubro, uma nova oportunidade foi dada à
Mlle Le Normand para aumentar sua fama ‘internacional’. Para lutar contra
Napoleão, o Czar Russo, o Imperador Austríaco e o Rei da Prússia, uniram-se, em
1815 no que foi conhecido como ‘Sainte-Alliance’. Em outubro e novembro de 1818
reuniu-se um congresso em Aachen para decidir o futuro da França. Marie-Anne
Lenormand decidiu ir lá por sentir sua presença necessária. Para impressionar
os monarcas a quem iria aconselhar, alugou uma carruagem, deixando Paris em
grande ostentação. Mas foi parada na fronteira pela alfândega belga. O estranho
equipamento que funcionários da alfandega encontraram na bagagem de Mlle Le
Normand levantou suspeitas, então ela foi enviada para Toirnai e, então para
Mons para que se descobrisse quais eram os seus planos. Aparentemente, nada
perigoso, pois liberaram-na três dias depois. Depois do congresso, ela foi para
Bruxelas onde, ela nos conta, foi fervorosamente recebida.
Pelo menos, todos esses eventos foram assunto
para um novo livro que ela própria publicaria no ano seguinte, embora esteja
datado 1818: La sibylle au congès
d’Aix-la-Chapelle em 1818, sendo seu título feito, claramente, a partir do L’observateur au congrès, ou Relation historiques et anecdotiques du
Congrès d’Alaix-la-Chapelle em 1818 (o oberservador no congresso, ou
consideração históricas e pessoais do Congresso de Aachen, Paris, A. Eymery,1818).
O último livro foi escrito pelo jornalista Charles-Maxime de Villemarest e dá
conta da tão comentada presença de Mlle Le Normand em Aachen, descrevendo como
ela, em primeira mão, espalhou rumores e situações de pessoas bem-informadas
(pp.151-2). O livro da própria Mlle Le Normand, por outro lado, é mais um guia
turístico, contando como ela foi para Bélgica – sob domínio da Holanda, então –
foi parada por parada pela alfândega e, finalmente, chegou a Achen, da qual
oferece uma descrição completa, emprestada, em grande parte, do Guide des étranger, de J.-B. de Bouge ou
Itinéraires de la ville d’Aix-la-Chapelle
(Guia do estrangeiro ou Passeios na cidade de Aachen, Bruxelas,
1806). Ela fala muito pouco sobre ter encontrado pessoas importantes lá, mas
dedica uma grande parte à descrição de um encontro com um profeta chamado
Muller. Muller tendo-a convidado a ir à Bruxelas, ela termina o livro com um
tour pela capital belga.
Tarôs também são usados nesse livro. O índice
traz um capítulo promissor intitulado ‘Y a-t-il quelque de philosophique dans
les Tharots?’ (Há algo filosófico no Tarô?). Pelo menos iremos, aqui, saber o
que Mlle Le Normand achava do tarô. Ela nos preparou para isso: Acionando sua
‘gande cabale’, ela divide suas figura egípcias (‘mês tableaux égyptiens’) em
nove (p. 51). Ela comenta que, embora um baralho pareça algo frívolo, é merecedor
de atenção filosófica. Mais a frente, ela descreve os utensílios familiares que
lhes cercavam e menciona os tarôs, ‘figuras emblemáticas e hieroglíficas’ (p.
193). Depois de termos aguentado uma descrição completa de Aachen, chegamos
agora, tremendo de emoção, ao centro da contribuição de Mlle Le Normand para a
teoria do tarô. Decepcionantemente, o capítulo é somente a descrição de seu
quarto no Hôtel de Bellevue. A única frase que ela dedica ao tarô é seguinte: ‘mês tarots m’offrent de
singulières réflexions’ (‘minhas cartas de tarô me oferecem algumas curiosas
reflexões’)!
Uma das obras primas de Mlle Le Normand foi,
certamente, Mémoires historiques et secrets de l’impératrice Joséphine, Marie-Rose Tascher de La Pagerie, première
épouse de Napoleon Bonaparte; orné de cinq gravures, portrait et fac-similé
(Paris, 1820, 2 vol.), onde ela conta a vida da primeira esposa de Napoleão.
Não será surpresa se você ouvir dizer que a heroína da história é, na
realidade, Mlle Lenormand no seu papel
de confidente e conselheira da imperatriz. Ela não deixa de mencionar seus
destacar seus grande méritos e visões históricas. Alguns meses antes, um
‘Prospecto’ da assinatura anunciava o livro, alardeando ‘o luxo da tipografia,
as finas gravuras’. Os compradores podiam assinar ‘au magasin de libraire, rue
du Petit-Bourbon-St-Sulpice, nº 1’. Essa seria a última menção da livraria de
Mlle Le Normand por nenhum dos dois volumes dar esse endereço. Os livros seguintes não o mostram.
O Mémoires
historiques et secrets rapidamente levaram à reações negativas, J.-M.
Deschamps, secretária particular de Joséphine, protestou com uma carta bastante
sólida no Le Currier Constitutionnel
and Le Courrier Français de 8 de
novembro de 1820. Na La Gazzete de France
de 4 de dezembro de 1820, Colnet mostrou que a obra era uma confusão de erros.
Embora ela tente apresentar Joséphine de forma positiva, os admiradores de
Napoleão chamaram de traição. O julgamento de Marquiset é duro: ‘é um romance
cruel’, ‘quase tudo é falso na obra’ e, mais, ‘além desses anacronismos, o
Mémoires são essencialmente a história de Napoleão sem imaginação e
equivocadamente contada.’ Historiadores modernos não são menos críticos. Eles,
geralmente, tomam a obra de Mlle Le Normand sobre Joséphine como puramente um
logro. Para Pr. Jean Tulard eles são ‘inteiramente apócrifos’.
Apesar disso, o Mémoires historiques deve ter tido algum sucesso e pode ter sido o
primeiro best-seller publicado por Mlle Le Normand. Chegou a segunda edição
aumentada com as últimas palavras de Napoleão em Saint Helena acrescentadas.
Sua fama cruzou fronteiras: Mémoires
historiques foi traduzido para o alemão em 1822 sob o título: Historische und geheine Denkwürdigkeiten der
Kaiserin Josephine,... ersten Gemahlin Napoleon Bonaparte..., traduzido por
August von Blumröder e publicado pela Sondershausen. Finalmente, uma tradução
para o inglês, feita por Jacob M. Howard apareceu nos Estados Unidos, em 1847,
em Chicago e na Filadélfia, simultaneamente: Historical and secret memoirs of the empress Joséphine (Marie-Rose
Tascher de La Pagerie), firt wife of Napoleão Bonaparte. Translated from the
French by M. Howard. Foram reeditados várias vezes em 1848, 1850, 1852,
1854 e mais tarde, até a virada do século.
Parece que Mlle Le Normand se sentiu humilhada
com a reação sarcástica da imprensa parisiense. Em 25 de fevereiro de 1821 ela
deixou Paris e se estabeleceu em Bruxelas. Os clientes vieram, rapidamente,
consultar seus oráculos. Mas a polícia foi igualmente rápida em prendê-la, e
Mlle Le Normand foi detida em 18 de abril de 1821. Após prestar depoimentos e
passar por revistas, ela foi indiciada por fraude e levada a julgamento em
Louvain. Em 7 de junho ela foi sentenciada a 1 ano de prisão e multada em 3
florins. Ela entrou com recurso contra a sentença, sendo novamente levada a
julgamento perante a corte de Bruxelas. A sentença de prisão foi retirada e
Mlle Le Normand multada em 15 francos que se recusou a pagar. Livre, Mlle
Lenormand deixou Bruxelas em 15 de agosto de 1821.
Toda essa história deu origem a um novo livro.Souvenirs
de la Belgique foi publicado em 1822, ‘à Paris, chez l’auteur, rue de Tournon,
nº 5, et MM. les principaux libraire de la capitale’. Marie-Anne Le Normand
conta-nos duas memórias de ‘100 dias de má sorte’, aos quais acrescenta suas
‘notas históricas e políticas’. O livro foi ilustrado com um retrato da autora
em sua prisão em Bruxelas. Como nas obras anteriores, há notas de rodapé e
finais; há, até mesmo, notas de rodapé para as notas finais! As 415 páginas são
salpicadas com lições de história, digressões de fatos, e citações em francês,
latin e até inglês (sem qualquer referência). É uma narrativa fantasiosa do que
que aconteceu do começo ao fim, no seu obsessivo desejo de provar que estava
certa, ela anexa 80 páginas de documentos autênticos (declarações de
testemunhas, minutas de audiências, memorandos que foram publicados em defesa
de sua posição).
Todas as ‘vítimas’ cartas comuns e de tarô
usadas para previsões. Como em seu Sibylle
au congrès d’Aix-la-chapelle, Mlle Le Normand evita responder perguntas
diretas sobre o tarô. No capítulo intitulado ‘Mon interrogatoire’ (meu
interrogatório), onde ela reporta perguntas e respostas à sua maneira, um
consulente pergunta: ‘O que esses tharots , que parecem ter hieróglifos,
significam?’ (p.39). Mas sua reposta tem a ver com quiromancia!
De volta à Paris, Marie-Anne Le Normand
dedicou-se a escrever uma pilha de livros,
os quais aparecem em várias listas em suas obras publicadas. Em outubro
de 1824, logo após a morte de Louis XVIII, ela publicou uma visão do ‘anjo
protetor da França no túmulo de Louis XVIII’, no qual previu um longo de feliz
reinado de Carlos X – que foi deposto pela Revolução de 1830. A morte do Czar
Alexander I, em 1825 inspirou um novo canto na sobra de Catherine II em seu
túmulo. Ela oferece uma assinatura de quarenta e quatro obras adicionais seus;
entre os quais foram anunciados, mas nunca apareceram, foram suas próprias
memórias e livros sobre o filho de
Joséphine, Eugène de Beauharnais e sobre a Rainha Guilhermina.
De acordo com Dicta Dimitriadis, Mlle Le
Normand viajou para Londres, de novo, em 1822 e juntou-se a uma sociedade chamada
‘Membros of Mercurii’; ela chegou a dirigir uma revista intitulada The Straggling astrologers of the 19th
century, em 1824. Tudo isso é contradito por uma carta de Mlle Le Normand e, 20
de janeiro de 1823 para Messrs. Truttel e Würtz, comerciantes de livros, em
Paris, negociando a venda de três dúzias de cópias de seu Souvenirs de la
Belgique por 178 francos e esperando aumentar os negócios com eles durante
‘esse ano, 1823’. É difícil imaginar como ela poderia estar vivendo em Londres
entre 1822 e 1824, naquela época, quando estava publicando seu Souvenirs de la Belgique (1822), em
Paris, e então, L’ange protecteur de la
France ao tombeau de Louis XVIII (1824)! Como era de se esperar, ela nunca
fez alusão à essas maravilhosas aventuras em suas publicações posteriores.
Seus últimos anos
Depois da Revolução de julho de 1830, um
monarca novo, mais liberal, ocupou o trono francês. Contrariamente às suas
previsões, seis anos antes, Carlos X foi expulso da França e seu primo
Louis-Philippe se tornou rei da França. Marie-Anne Le Normand era monarquista,
mas parece ter sido apoiadora dos antigos Bourbons. Sua fama estava minguando,
também, apesar do apoio de Guizot, um
dos mais influentes ministros do governo e Émelie de Girardin, uma dos
principais nomes da imprensa. Ela, també, converteu Narcisse-Honoré Cellier du
Fayel, um próspero advogado que queria encontrar-se com a ‘charlatã’. Cellier
du Fayel foi convencido por seus oráculos e, em pouco tempo, tornou-se seu
confidente e biógrafo.
Na sua Biografia de 1843, Francis Girault nos
conta como, em 1835, chegou à sala de consulta de Mlle Le Normand uma mulher
velha e pobre, desconhecida por ela. A mulher confessou ser a viúva de
Fouquier-Tinville, o sinistro promotor público da Revolução Francesa que foi
guilhotinado em 1795. Claro que ela teve muito o que falar e seus escritos
secretos era de grande interesse para a sibila. Mas esse vem a ser outra farsa:
como lembra Alfred Marquiset, Mme Fourquier-Tinville morrera sete anos antes!
A veia literária de Marie-Anne Le Normand ainda
não tinha se esgotado. Entre 1831 e 1833, quatro últimos livros foram lançados
da sua ‘e de fábrica’ e muitos outros foram anunciados. Publicado em janeiro de
1831 e dedicado, L’ombre de Henri IV au
palais d’Orléans (A sombra de Henri
IV no palácio de Orleans [ex.: o Palais-Royal])
uma mistura chata de visões, diálogos e aulas de histórias e notas de rodapé
para mostrar o quão precisa era a sua previsão de eventos de 20-22 de dezembro
e que deveriam ter aparecido em 20 de dezembro de 1830. Se tivessem,
poderíamos, finalmente, ter testado a as extraordinárias profecias de
Olivarius, de 1542. Philippe-Dieudonné-Noël Olivarius, ela nos conta em suas
notas de rodapé (2), página 16, escreveu 919 previsões até 1982. Ela se orgulha
de ter comprado esse único manuscrito que foi caçado ‘em todas as bibliotecas’.
O próprio para maravilhou-se. Cinco fólios são reproduzidos em L’onbre de Henri IV (pp. 18-28), com
notas explicando o significado de ‘algumas velhas expressões francesas’.
Essa não foi a primeira vez que Mlle Le Normand
falou sobre esse mago desconhecido. Ela já tinha publicado uma de suas
previsões em 1820, no Mémoirs historiques
et secrets de l’imperatrice Joséphine. De acordo com ela, é Napoleão quem é
mencionado na profecia de Olivárius para Marie-Anne em 1814. Mais fólios foram
publicados nos próximos livros: um em Le
petit homme rouge au château des Tulieries (julho, 1831), outro em
Manifeste des dieux sur les affaires de France (janeiro, 1832) e os fólios 8 a
10 foram apresentados no último livro publicado por Mlle Le Normand, Arrêt suprême des dieux de l’Olympe,
data em 28 de fevereiro de 1833.
O ridículo ‘estilo literário antigo’ dos textos
de Olivarius é tão obviamente forjado que Alfred Marquiset dedicou um apêndice
inteiro para revelar esse ‘attrape-nigaud’ (codinome). Ele não só mostra que
não qualquer verdade em nenhuma das afirmações de Le Normand, mas que o logro
foi desenvolvido por outros escritores. Henri Dujardin, L’oracle pour 1840 (Paris, 1839), diz que conhece três pessoas
chamadas Olivarius, das quais, um deixou um livro, Petri Joannis Olivarii
Valentini de prophetia et spiritu profético liber, publicado em Basel, em 1543,
para ser encontrado da Biblioteca Real sob inventário número Z 985. Você se
surpreenderia se ouvosse que essa referência é falsa? Um dos outros dois, um
Olivarius foi Philipe-Dieudonné-Noël, cujo texto é, atualmente, apresentado
como um livro publicado em 1544 e intitulado Prévisions d’um solitaire, e um terceiro escreveu o celebrado
‘prophétie d’Orval’ (outra profecia forjada que foi publicada pela primeira vez
o Journal des villes et des campagnes de 20 de junho de 1839). Eugène
Bareste deu mais crédito ao Olivarius em seu muito popular Prophéties: La fin des temps, avec une notice, do qual foram
publicadas quatro edições, em 1840.
Le petit homme rouge au château des Tuileries; La vérité à Holy-Rood; Prédictions, etc
(The little red man no castelo de Tuileries;
A Verdade em Holy-Rood; Previsões, etc), publicados em julho de 1831, introduzem um novo profeta:
o Petit Homme Rouge (o Pequeno Homem Vermelho). Em 1831, Marie-Anne Le
Normand os conta que uma velha e curvada
mulher apareceu no castelo de Tuileries laçando maldições contra os Bourbons.
Ela era a encarnação da República de 1793. O Petit Homme Rouge estava lá e
replicou. Sua longa fala revelou que era o organizador de todos os eventos
passados desde 1789. Por que Louis XVI perdeu o torno? Porque Blondinet
(‘loiro’), por entendermos ser esse seu nome, decidiu que o rei não mais
poderia reinar. Quem protegeu Napoleão? O pequeno home vermelho, é claro! Os
leitores dos Oráculos Sibilinos de Mlle Le Normand repararam que o pequeno
homem vermelho tinha sido mencionado na obra (p.340).
De fato, Marie-Anne Le Normand não inventou o
Petit Homme Rouge. Provavelmente, ela teve a ideia a partir de um curto folheto
contra Napoleão, publicado em 1814 e intitulado Le petit homme rouge. As seis páginas descrevem a última assembleia
de Napoleão encontrando-se em Tuileries e a chegada de um pequeno homem
vermelho, um gênio aterrorizante, um ‘homem de fogo’, cujo contato queimava
quem o tocava. Essa criatura infernal estava lá para levar Napoleão para o
Inferno. O Petit Homme Rouge fez outra aparição algum tempo depois do livro de
Mlle Le Normand. Messrs de Pixérécourt, Brazier e Carmouche escreveram uma peça
com o mesmo nome: Le petit homme rouge,
‘folie-féerie romantique em quatre actes et na vaundevilles, imitée du genre
anglais’ (Vaunndeville de quatro atos
loucos e extravagantes, em estilo inglês), apresentada no Théâtre de la
Gaieté, em março de 1832. A música era de Alexandre aventuras foram publicadas,
anonimamente, em 1843 sob o título ‘Memoirs
et prophéties du petit homme rouge, par une sybille [sic], depuis la
Saint-Barthélemy jusqu’à la nuit des temps; como veremos mais tarde, Paul
Christian iria ressuscita-lo num livro publicado em 1863: L’homme rouge des Tuileries.
Novas revelações e previsões foram publicadas
em 1832 com o Manifeste des dieux sur les affaires de France: apparition de
S.A.R. la feue Mm ela duchesse douairière d’Orleans (Marie-Louise-Adélaïde de
Bourbon-Pentièvre), descendante de Louis XIV à son fils Louis-Philippe Ier, roi
des Français, Révélations (Manifesto dos deuses sobre os negócios franceses:
aparição de H.R.H. a última viúva de Orléans..., descendente de Louis XIV, para
seu filho Louis-Philippe I, Rei da França. Revelações), publicado em 21de
janeiro de 1832 por Mlle Le Normand, ‘editeur-libraire’, e Dondey Duprey père
et fils, que foram os tipógrafos de parceiros de Mlle Le Normand desde 1824.
Embora amparados por mais ‘feuliet’ das profecias de Olivarius, essas
recomendações em fevereiro de 1833 sob o título Arrêt suprême des dieux de
l’Olympe em faveur de Mm ela duchesse de Berry et de son filleul le duc
d’Aumale d’Orleans (Henri Eugène-Philippe-Louis). Révélations, etc, etc.
(Decreto supremo dos deuses do olimpo em afilhado, duque de Aumale-Orléans...)
“Essa pequena brochura[ela nos avisa na contra-capa da folha de rosto] foi anunciado
para 19 de novembro de 1832. Amigos não oficiais me fizeram retirar a promessa
de adiar essa publicação até 28 de fevereiro de 1833. “Já basta, disse um
deles, que você foi capaz de prever o nascimento do Duque de Bordeaux, o nobre
heroísmo de sua mãe; é certo: Mme a Duquesa de Berry será resgatada de Blaye”
‘.
Mrie-Caroline, Duquesa de Berry tentou incitar
algumas províncias contra Louis-Philippe, em 1832; ela foi detida e presa em
Blaye, perto de Bourdeaux. Porém, uma vez mais Mlle Le Normand não previu o fim
burlesco dessa ventura fadada ao fracasso. Ela não soube que a duquesa estava,
secretamente, grávida – não de seu marido legítimo, uma vez que o Duque de
Berry tinha sido assassinado em 1820. Em 1833, alguns meses após o livro ser
publicado, a Duquesa de Berry deu a luz a uma filha inesperada que escandalizou
muitas pessoas e descredibilizou a causa Legitimista por muitos anos. Poderia,
muito bem, ter descredibilizado Mlle Le Normand uma vez que esse seria o seu
último livro.
Todavia, muitos outros escritos estavam sendo
preparados. Na lista onde registra seus trabalhos publicados, Marie-Anne Le
Normand anuncia alguns novos livros por vir: Les mystères de Blaye, Jeanne d’Arc au Louvre, com o horóscopo da
Duquesa de Berry, La sibylle à Londres,
Louise Wilhelmine de Prusse, ou les infortunes d’une grande reine, com o
qual já nos deparamos, Anecdotes
historiques, politiques, etc. sur la reine d’Angleterre
(Caroline-Amélie-Elisabeth de Brunswick); particularités secretes sur la
princese Caroline d’Anglaterre, première épouse de S.A.R. le prince de Saxe-Cobourg,
o qual jamais nos consolaremos de termos perdido, e, por último o há muito
esperado Mémoirs historiques, politiques,
souvenirs, confessions, correspondances secretes de Mlle Le Normand, cujos
dez volumes, infelizmente nunca apareceram.
O renome de Mlle Le Normand, embora,
provavelmente, em declínio, ainda chamava a atenção de alguns leitores da
sorte. Em 1838, uma Mlle Brunet distribuía panfletos onde se apresentava como
discípula de Mlle Le Normand. Marie-Anne manifestou-se, imediatamente, na la Gazzete des Tribunaux, lembrando seus
leitores que ela não tinha alunos. Então, foi um simples adepte que publicou,
em 1842, Le rèvèlateur du destin, ou
Livre merveilleux des bramines, pour connaître le présent, le passé et
l’avenir, par um apdete de Mlle Lenormand (O ilmuninador do destino, ou o
Maravilhoso livro dos Brâmanes, de forma a saber o presente, passado e futuro,
por um adepto de Mlle Lenormand). Uma coleção íntegra de oráculos legítimo
catálogo da Bibliothèque Nationale atribuído a Aguste Martres.
O fim chegou em 25 de junho de 1843. Marie-Anne
Le Normand faleceu em seu apartamento na rue de la Santé. Seu funeral, em 27 de
junho, foi extraordinário. A igreja foi coberta com enfeites, o carro fúnebre
foi puxado por quatro cavalos enfeitados e seguido por cem pessoas! Não restam
dúvidas que essa cerimônia barroca foi cuidadosamente preparada. Foi um
acontecimento importante no mundo da adivinhação: a terra tremeu e tudo saiu do
lugar. A jogada de Mlle Le Normand reviveu o interesse em sua carreira e deu
aos jornais boas razões para crônicas sarcásticas. Um longo artigo, por Jules
Jain, apareceu no sério Journal des
Débats (de julho de 1843), outro por Léo Lespès no seu concorrente Le
Constitutionnel (suplemente de 16 de julho).
Le Charivari, Le Globe e pelo
menos outros três publicaram artigos sobre sua vida. Antes de julho acabar,
foram publicadas biografias que analisamos no começo do capítulo. A lenda se
cristalizou e um exército de ‘alunos’, ‘adeptos’ ou discípulos foram rápidos em
se rivalizar.
A sucessão de Mlle Le Normand
O único herdeiro dos bens de Mlle Le Normand
foi o seu sobrinho de 37 anos, Michel-Alexandre Hugo, um segundo tenente da
infataria, filho de sua irmã mais nova, Marthe-Sophie. Sua fortuna foi estimada
em 500.000 francos, mas, na verdade, eram somente 120.000 dos quais perto de
80.000 foram deixados como heranças pessoais e mais em várias reivindicações
concedidas pelo tribunal. Na edição de 16 de julho, o jornal parisiense Le Charivari publicou um pequeno artigo
sobre a sucessão de Mlle Le Normand, concluindo que ela não tinha nenhum
sucessor(a), porém um grande número de senhoras leitoras da sorte dividiriam a
sucessão entre si. O artigo mostra espanto com o número de profissionais, então,
atuando em Paris, que estabelecia em cerca de 50, que divulgavam seus serviços
nos jornais e quem presumia serem todas mulheres. Ele escolhe três para
descrever separadamente. A primeira, Mme Clément, descrevia os anuncios como
‘uma encantadora adivinha cuja jovem reputação se equiparava à de Mlle Le
Normand.’
Que Ela alegava ter previsto o futuro de
Marie-Louise, segunda Imperatriz de Napoleão e de sua própria queda já sabemos;
se assim fosse, ela não poderia ser tão jovem. Ela se especializou em previsões,
por meio de cartas, de desastres grandes e pequenos, vestia manto preto e capuz
vermelho e viveu, segundo o artigo, no andar térreo de um sob um notário.
Infelizmente, não é dado o seu endereço, mas em 25 de julho, um mês depois da
morte de Mlle Le Normand, Mme Clément reivindicou a sucessão instalando-se no
mesmo apartamento térreo na rue de Tournon,5, onde a famosa sibila fez suas
consultas por muitos anos. Em seu livro, publicado alguns anos mais tarde, Mlle
Lelièvre nos conta como o sobrinho de Mlle Le Normand, encontrando entre suas
coisas, uma carta escrita a ela por Mlle Lelièvre, com bons comentários acerca
do destinatário, escreveu para lhe oferecer uso do apartamento e seu recheio;
ele ofereceu, também, convencer os clientes de suas tia para serem transferidos
para ela, dizendo que seria a única capaz de ser sua sucessora. Mlle Lelièvre
recusou, sabendo de que precisava de mais estudos e consciente de que nem o
apartamento de Mlle Le Normand, nem a sua mobilha a concederiam o talento
requisitado: de olho em Mme Clément, ela declara que consideraria isso puro
charlatanismo. Evidentemente, o tenente Alexandre Hugo, então, descobriu Mme Clément e fez-lhe a mesma oferta, que foi
prontamente aceita.
As duas outras senhoras descritas pelo Charivari
foram Mme Albin r Mme Melchior, ambas tendo a borra de café como seu oráculo de
preferencia. Mme Albin era especializada em consultas para previsão de
casamentos, heranças e outros eventos felizes. Mlle Melchior era idosa e
dedicava as manhãs para as tarefas domésticas, deixando fim da tarde para fazer
encoarajntes previsões por 20 sous a consultation, para sua pobre clientèle.
Antes de julho de 1843 acabar, a editora
Lange-Lévy publicou La sibylle du XIXe
siècle, de Flamel, já mencionado. Num prefácio, o editor, escrevendo sob o
nome de A. Gallus, esclareceu que, após quarenta e oito horas da morte da
sibila, ele recebeu um pequeno caixão de um remente anônimo. A carta que o
acompanhava dizia que, alguns meses antes, Mlle Le Normand, de quem ele era um
amigo próximo, confiou-lhe o caixão, instruindo-lhe a publicar as profecias
manuscritas contida nele após sua morte. Gallus, revelando a crença de que o
remetente era um dos executores de Mlle Le Normand, explica que publicaria
essas grandes profecias de forma célere. Ele não pondera porque um executor
procederia de forma tão clandestina, ou revela os passos que deu para verificar
a autenticidade do manuscrito, mesmo pela comparação de caligrafia. Ao invés disso, ele convidou Hortensius
Flamel, ‘o célebre autor de Le Livre
rouge’, para escrever um comentário.
A publicação, como um todo, traz os sinais de
uma farsa. Flamel pode, possivelmente, ter feito, ele mesmo, as profecias; mais
provavelmente ele pode ter sido colocado com um cúmplice. As profecias, duas
por página, variam em precisão, uma vez que são muito vagas ou muito obscuras
para se provarem erradas. Que o reino se tornaria um Império, pela segunda vez, se provou correto em poucos anos; que as
pessoas viajariam pelo ar demorou mais ainda para se verificar. Que a Suiça
seria invadida por todos os lados e deixaria de existir, em pouco tempo, foi um
tiro fora do alvo; igualmente que a Cruz substituiria o Corão em
Constantinopla.
O breve comentário de Flamel é superficial e
composto, em grande parte, por generalidades. Certas pessoas possuem o poder de
prever o futuro, e Mlle Le Normand o tinha em alto nível; suas previsões
eram invariavelmente precisas. Qual
comentário mais claro poderia ser feito de profecias já, totalmente, explícitas?
Só o último parágrafo do comentário revela um motivo a mais para a publicação.
“Quando ouvimos falar da morte de Mlle Lenormand, nos perguntamos se uma nova
estrela iria brilhar nos céus proféticos para substituir a que acabara de
perecer. Olhamos e um raio luminoso nos alcançou. Como Arquimedes, o que
introduz as ciências ocultas, eu gritei, “Eureca”. Mme Clément é a nova perita
que erguerá, para nós, os véus que cobrem o futuro.’ É de se duvidar que Famel
tivesse o mínimo interesse no assunto, mas o editor estava, certamente,
interessado em a reforçar a alegação de Mme Clément à sucessão. O comentário de
Flamel é seguido por uma biografia de Mlle Le Noramand, anônima, que
verificamos ter sido baseada na carta de Alboise de Pujol para o Le Tam-Tam, publicada um mês antes. A
partir dela, ficamos sabendo que ela começava suas consultas, perguntando para
o consulente detalhes pessoais, incluindo sua data de nascimento, as iniciais
de seu nome de batismo e local de nascimento, sua cor, animal e flor favoritos e
o animal que mais detestava. Também tomamos ciências da variedade técnicas
divinatórias das quais se valia. No meio da biografia é colocada uma breve
menção à Mme Clément: ‘Não esqueçamos de dizer que já nesse tempo, uma sibila
igualmente famosa, uma estrela dos céus proféticos, proferia seus oráculos e
leituras do futuro. Na Alemanha, Mme Clément previu o futura grandeza da
Imperatriz Marie-Louise.’ A repetição da frase sobre a nova estrela, sugere que
Flamel teve alguma participação na composição da biografia, que termina com
mais um elogio à Mme Clément: “A última sibila não está morta. Aqui está outra
que surge, não menos ilustre, não menos formidável: é a pitonisa de Delfos, é
Mme Clément. Seu tripé está erguido, seu livro do destino, aberto; suas cartas,
prontas. À ela pertence o reino do futuro.”
‘Nunca vimos Mme Clément, continua o autor,
‘mas ouvimos muito a seu respeito; e o que ouvimos foi tão extraordinário que
seria preciso um volume inteiro para contar... É na caverna da sibila falecida,
na mesma casa onde Mlle Lenormand viveu que a profetisa do momento faz suas
maravilhosas previsões.’ ‘O passado é de Mlle Lenormand’, conclui seu biógrafo,
‘o futuro pertence à essa estrela profética, Mme Clément. Assim com as sibilas
como com os reis: a sibila morreu, vida longa à sibila.’
Os louvores extravagantes de Mme Clément podem
sugerir algum grau de conluio entre o tenente Hugo e os autores dessa ilegítima
obra pós-morte, umas vez que o sucesso de Mme Clément seria importante para
Hugo como beneficiário do aluguel. A suspeita seria equivocada; e a motivação
para a vasta promoção de Mme Clément permanece obscura.
Pouco depois, no mesmo ano, foi publicada a
biografia de Mlle Le Normand por Francis Girault plagiada de várias fontes.
Girault publicou como apêndice algumas ligações com Alexandre Hugo. Primeiro,
uma carta datada de 22 de julho de Hugo para os editores, Breteau e Pichery,
referindo-se ao livro de Flamel, denunciando as profecias com os mais fortes
termos como falaciosas – um julgamento com o qual Du Bois, posteriormente, concordou
- e acusando Breteau e Pichery de
publica-las. Os editores acusados, evidentemente, não viram razão para
resposta; mas Girault respondeu, entregando o manuscrito de sua biografia a
Hugo, na rue de Tournon,5, negando qualquer responsabilidade pelo livro de
Flamel da sua parte ou de Messrs Breatrau e Pichery. Em sua resposta de 29 de
julho, Hugo se desculpou por sua falsa acusação, e aceitou a obra de Girault
como a biografia oficial de sua tia.
A esperança de Mme Clément em se tornar tão
famosa quanto Mlle Le Normand foi frustrada; e se Lange-Lévy esperava que ela
publicasse algum livro que escrevera com eles, frustraram-se, por ela tê-los
publicado por sua conta.’ Em 1844 ela produziu um livreto de 64 páginas, Le
Corbeau sanglant, ou l’Avenir dévoilé (O Corvo Sangrento, ou o Futuro
Revelado). O título se refere, explica Mme Clément, à técnica divinatória
romana de examinar as entranhas de um corvo. A capa traz o endereço da autora,
como própria editora, e como ‘a casa ocupada por Mlle Le Normand, rue de
Tournon, 5’. O frontispício é uma gravura litografada de Mme Clément, uma bela
senhora usando um cocar de aparência Asteca, do qual seu cabelo cai em cachos.
O método divinatório que explica segue diretamente a tradição de Etteilla, as
cartas que usava sendo as do jeu égyptien
ou de Thot (o tarô de Etteilla numerado de 1 ao Louco, com 78 cartas). Ela
afirma ser clara ao explicar seu sistema, mas não consegue. A tiragem é
simples: as treze primeiras cartas são viradas e lidas, então dezenove e,
finalmente, vinte e uma, as cartas lidas, são, a cada momento, devolvidas ao
maço que é re-embaralhado antes de ser tirado o próximo conjunto de cartas. É
dada uma lista se significados das 78 cartas, baseada em Etteilla, porém, sem
qualquer referência à sua posição invertida. Embora o instrumento seja o
baralho de Etteilla, o coração de Mme Clément está na astrologia. As cartas
numeradas do naipe de ouros são identificadas com símbolos ‘cabalísticos’ dos
planetas, a cabeça e cauda do dragão e a parte da fortuna, aos quais são
associadas 12 previsões de acordo com as 12 ‘casas’ (signos) zodiacais em que
estiverem. Mme Clément, volta, na segunda parte do livro, ao que acredita ser
mais interessantes para o público, um horóscopo para homens e mulheres de
acordo com o mês que nasceram, seguido de uma descrição de vários temperamentos
(fleumático, sanguíneo, etc) e de como ler a personalidade pelas
características físicas.
Certamente não há, aqui, uma grande sibila:
somente uma praticante inexperiente.
Em 1852, Mme Clément publicou outro livreto, Le Flambeau de l’avenir (A tocha do futuro),
do mesmo tamanho, ainda da rue de Tournon,5, denominado ‘a antiga livraria de
Mlle Lenormand’, abaixo do nome da autora está inscrito algo meio patético ‘a
sucessora de Mlle Lenormand’. A mesma gravura de Mme Clément meio borrada,
forma o frontispício. É interessante ressaltar que Mme Clément usa,
repetidamente, o termo de Etteilla ‘cartonomancia’, embora o livro seja
supostamente sobre a técnica de ‘cartomancia’, não há virtualmente, nada nele
sobre o uso de cartas. A falta de importância. Tal inconsequência só leva à
suspeita de que a pobre senhora não esta em seu juízo perfeito. Sob o ‘sistema’
principal ela diz que deve-se, primeiro, perguntar ao consulente para que se
conheça detalhes pessoais do mesmo como o que gosta e o que não gosta (a
prática atribuída à Mlle Le Normand). Ela passa, imediatamente para o segundo
‘sistema’, que não é sistema nenhum além de um discurso confuso sobre a
astrologia e as virtides cardinais, aludindo às obras do ‘grande Thot’. Ela
termina com sitações históricas de previsões acertadas.
Em 1847 havia um livro interessante publicado,
fora do meio literário cartomântico. Justifications
des sciences divinatoires (Justificativas
das ciências divinatórias) por Mlle A. Lelièvre.. O catálotogo da
Biblioèque Nacionale apresenta o nome do autor como um pseudônimo de
Marc-François Guillois, mas essa atribuição é, praticamente, um absurdo.
Pseudônimos ou supostos pseudônimos são, para bibliotecários como atribuições à
obras de arte a artitas individuais são para historiadores da arte; eles os
investigam religiosamente, mas, quando não há evidências sólidas, eles irão se
agarrar na mais inconsistente base para para uma identificação. Guillois foi o autor
de textos políticos publicados em 1795, 1797, 1801, 1816 e 1831; não há motivos
para que se suspeite dele como autor de obras sobre artes divinatórias em 1847.
Além disso, não é apenas uma questão de pseudônimo. O livro de Mlle Lièvre é
dedicado à condessa Marie d’Adhémard com expressões da mais profunda gratidão
por sua ajuda e amizade, contendo um amplo conteúdo autobiográfico, dando nomes
a várias pessoas como Monsieur Saint-Prix, que, em 1830 tomou-a como aluna
Théâtre-Fraçais e tratou-a como uma filha (p.49). O livro seria completamente
inútil se tudo isso fosse fictício, mais, o edereço da autora está impresso na
capa, de forma que seria fácil identificar qualquer farsa. Não há motivo para
não aceitar Mlle Lelièvre, como um escritor posteriormente o fez, como uma
sibila genuína escrevendo sob seu próprio nome.
A maior preocupação do livro é recontar como
Mlle Lelièvre veio, em 1840, a adotar a profissão de leitora da sorte. Embora
Mme Clément em momento algum seja mencionada, denegrir suas alegações de ser a
sucessora de Mlle Le Normand é, claramente, algo secundário. A autora conta
(p.66) como uma amiga sua pede à Mlle Le Normand para tomar Mlle Lelièvre como
sua pupila, mas Mlle Le Normand responde dizendo que não tem alunos; entretanto,
ela permite que Mlle Lelièvre tire as cartas em sua presença. Numa nota de
rodapé Mlle Lelièvre diz, ‘Tenho diante de mim uma carta tirada por uma certa
senhora’. – certamente, Mme Clément – ‘afirmando ser ela a única discípula de
Mlle Le Normand. Ela é, meramente, a única
a ter reivindicado o título com o intuito de enganar as pessoas; essa
senhora não é mais discípula de Le Normand que eu e, talvez menos.’ Já foi dito
como, após a morte de Mlle Lenormand, seu sobrinho ofereceu o apartamento de
sua tia à Mlle Lelièvre e ela rejeitou a
proposta. O livro foi reeditado no ano seguinte com um novo título Proohéties
de la nouvelle sibylle. Não é apropriado, uma vez que o livro não contém
profecias, mas é obviamente feito para conter a alegação implícita de ser a
verdadeira sucessora de Mlle Le Normand; ela descreve, ingenuamente, como
sonhou que Mlle Le Normand lhe disse ‘ Você me substituirá e seu nome fará o
meu ser esquecido.’
Mlle Lelièvre praticava quiromancia e
cartomancia, a última tanto com baralho comum como com os tarôs egípcios de
Etteilla. Seu livro não contém nenhuma instrução para essas artes, depois de
uma longa seção autobriográfica, ele consiste em uma série de casos falando
sobre previsões bem sucedidas efetuadas por várias técnicas divinatórias. A
seção de cartomancia repete as fantasias contidas no livro de Frédéric de la
Granfe, Le grand livre du destin que
foi publicado dois anos antes sobre a história da arte. Marie Ambruget e
Fiasson aparecem na obra, como na obra de la Grange; sua história sobre o Duque
de Orleans, Mariette e Brivazac é atribuída à ‘memórias secretas’. Mlle
Lenormand, estamos seguros disso, tinha o livro de Thot sempre sob seus olhos;
nesse caso, Mlle Lelièvre a imita.
De acordo com Éloïse Mozzani, Mlle Lelièvre
morreu em 1849. É muito difícil dizer que tanto ela quanto Mme Clément provaram
serem a real sucessora de Mlle Le Normand. Outas cartomantes fizeram similares
alegações com fundamentos menos consistentes. Mme Lacombe, que morreu em 1846,
trabalhava no número 1 da rue Boucher, estabeleceu-se como ocupando o lugar de
Mlle Le Normand, enquanto em 1848, Mme Morel divulgava-se numa publicidade
impressa como ‘amiga íntima e discípula de Mlle Le Normand’ o que nunca foi. Entretanto,
não nos surpreende que quando, em 1854, Mme Eugénie Bonnejoy Pérignon revelou a
escolha de Mlle Le Normand de uma sucessora, concedida após sua morte, que
deveria ser provado que não seria nenhuma das senhoras que se afirmavam como
tal, mas um homem. Ele era Edmond; porém sua história está reservada para o
próximo capítulo.
Mlle Le Normand era, realmente, uma ‘cartomante’?
Marie-Anne Le Normand constantemente se
denominava sibila ou ‘profetisa’ (pythonisse) e costumava sustentar seus livros
em suas visões e profecias. Quando se permitia falar sobre suas técnicas
divinatórias ela evocava um impressionante catálogo de instrumentos mágicos: O
espelho flamejante de Luca Gaurico, as trinta e três varas gregas, a ‘cabale de
99 de Zoroastre’, alguns grimórios, uma varinha divinatória, seus preciosos
talismãs, o aço électre, as chaves de
Salomão, o anel cigano, a(s) flecha(s) de Abaris, uma lupa mágica, etc, etc. As
cartas não foram esquecidas, mas não foram, obviamente, colocadas em primeiro
lugar. Tarô, sempre escritos tharots,
não são frequentemente mencionados. Quando elas os usa, é como os outros
instrumentos, de forma confusa e nebulosa, geralmente, qualificada como
‘misterioso’,’mágico’, etc o que lhe permite manter tudo muito vago.
Entretanto, vários relatos – registros
policiais e publicações literárias - revelam que ela usava tarôs e cartas
comuns como todos os ‘tireuses de cartes’.
Os documentos que foram usados para acusa-la em Bruxelas, em 1821 que ela
obsequiosamente reproduz no final do seu Souvenirs de la Belgique, dizem todos
que ela recebia seus clientes com cartas comuns e tharots, dependendo do que pudessem pagar.
No seu L’hermite de la chaussée d’Antin (Paris,
1813), Victor Étienner Jouy explica como ela operava: ‘passado, presente e
futuro serão expostos juntos sob seus olhos graças a um simples baralho.
Entretanto, devo dizer que essas cartas são muito maiores que as outras,
decoradas com hieróglifos [“tarotées
em forme d’hiéroglyphes”]. A feiticeira as embaralha, meditando de forma
edificante, e as combina através das habilidosas combinações de Etteilla’.
Outro relato inesperado é dado pelo Barão Karl August von Malchus (1770-1840).
Embora sendo um economista e estar longe de acreditar em leitura da sorte,
Malchus consultou Marie-Anne Le Normand entre 1810 e 1814. Se suas memórias,
que foram publicadas pela primeira vez no Die
Geheimwissenschaften de Carl Kieserwetter
(Leipzig, 1895) não foram forjadas, temos, aqui, uma ótima descrição do ritual
da sibila.
Malchus confirma que ela começa com perguntas
para extrair detalhes pessoais do consulente e, então, começa a jogar as
cartas. Por estar familiarizado com diferentes padrões de cartas como eram
usadas nos países de língua alemã, Karl August von Malchus ficou impressioando
com o número de cartas usados por Mlle Le Normand e oferece uma descrição
detalhada delas. Tarokkarten, alle deutsche Karten [‘cartas normais alemãs’
antigas, por exemplo, com naipes alemãs], Whistkarten [significando,
provavelmente, cartas francesas modernas], Karten mit Himmels-körperen
bezeichnet [“cartas com corpos celestes”],
mit nekromantischen Figuren, etc’. A sibila insistia em que se cortasse
com a mão esquerda e, supreendentemente, misturava cartas de baralho
diferentes! Por exemplo, 25 cartas de um baralho de tarô, 6 de outro, 10 deum
terceiro. ‘Ela separava as cartas escolhidas e as dispunha na mesa de acordo
com uma ordem específica; todas as cartas de cima eram colocadas ao lado’. Ela
continuava com a leitura de mãos.
Pode causar surpresa o relato de ‘corpos
celestes’ e ‘figuras necromânticas’, por ser algo parecido com o que observamos
no ‘Grand jeu de Mlle Le Normand’. Como Malchus morreu em 1840, não pode ter
visto o ‘Grand jeu’ que só foi publicado em 1845. Porém, muitos tipos de cartas
divinatórias foram publicadas, somente em 1845. Muitos tipos de cartas
divinatórias foram produzidas desde o começo do século XIX. A maioria continha
alegorias emprestadas do Grand Etteilla. Um baralho chamado ‘Petit
Necromancien’ foi produzido por Robert em cerca de 1810.
Podemos considerar Le Normand uma seguidora de
Etteilla? A reposta é não. Não só é o seu método simples e vago como seu uso constante
de um baralho de 32 cartas indica que ela não seguia Etteilla. Suas alusões ao
tarô são tardias (nenhuma nates de 1817), sendo esquivas e nada claras. Vimos
que ela não usava o Grand Etteilla uma vez que as três cartas que cita em Les
Oracle Sibyllins, em 1817 não apresentam nomes típicos que Etteilla lhes
atribuía, mas que são atribuídos ao tarô de Marselha. Outro fato notório é Mlle
Le Normand nunca menciona Etteilla em nenhum de seus livros! Contudo, alude a
Moult, Nostradamus, Cagliostro, a quem dedica longas notas, Nicolas Flamel, o
Conde de Saint-Germain e Mesmer, sem falar de pessoas ‘mais sérias’ como
Lavater ou Gaal, não há uma só palavra sobre Etteilla ou seus discípulos,
nenhuma alusão às suas teorias. Court de Gebelin também não é mencionado.
É claro que isso não é totalmente verdadeiro.
Entre as 248 notas de seu Souvenirs
prophétiques (1814), ela tem uma nota sobre Hermes a quem lista com outros
‘cabalistas’ [!] na página 268. Sua nota nº238 (pp. 582-3) dá, simplesmente,
uma breve apresentação de numerologia, porém é referida como ‘Science des
Signes’. Provavelmente, o que se pretende aqui é o opus magnum de D’Odoucet, mas é impossível de se verificar se a
citação pertence a algum dos 3 volumes. Há uma enigmática alusão ao Livro de
Thot em Les oracles sibyllins (p.176): Mlle Le Normand diz que ela segue ‘par
les dix-neuf points du livre de Thot...’ (através dos dezenove pontos do Livro
de Thot’) para a qual não dá qualquer explicação. E, vimos que V.-E. Jouy, descrevendo negativamente suas
atuações negativamente, alude às ‘habilidosas combinações de Etteilla’. Mas
isso é, provavelmente, alguma confusão feita pelo escritor.
O ‘Grand jeu de Mlle Lenormand’ e outros
baralhos Lenormand
O nome de Mlle Le Normand também está ligado a
um baralho cartomântico especialmente projetado, o ‘Grand jeu de Mlle
Lenormand’, ainda editado pela Grimaud, a principal produtora de cartas.
Baseado num baralho de 52 cartas, ele inclui duas cartas extras representando
um homem e uma mulher, significadores dos consulentes. Como Prof. Detlef
Hoffmann observou, as cartas não seguem nenhum sistema identificável, sendo
assim, ‘um dos complicados baralhos divinatórios’. Cada uma das 52 cartas
mostra uma cena central (‘grand sujet’) cercado por símbolos diferentes. No
canto superior esquerdo, há uma miniatura de uma carta normal, no canto direito
superior, uma letra aparece com um tema geomântico abaixo; entre eles há uma
constelação celeste. Na parte esquerda inferior duas figuras são separadas por
uma flor.
Esse baralho de caras
‘astro-mitológico-herméticas’ apareceu pela primeira vez, dois anos depois da
morte de Le Normand. Era vendido com uma coleção de 5 livros sob o título
genérico de Grand jeu de sociètè et pratiques secretes de Mlle Le Normand (O
grande jogo da sociedade e práticas secretas de Mlle Lenormand), por ‘Mme la
comtesse de ***. O editor dá seu endereço – mas não o seu nome – como 46 rue
Vivienne.
O primeiro volume, Explication et application des cartes astro-mythol-hermétiques, avec de
nombreux exercices sur les fleurs, les animaux et d’um double dictionnaire de
fleurs emblématiques, é uma explicação das cartas com muitos exercícios de
flores, animais, cores e talismãs, junto
com um tratado de geomancia e um dicionário de flores emblemáticas. Sua capa promete
‘um baralho de 54 cartas coloridas’. Uma publicidade colocada no fim do 3º
volume diz que as cartas foram impressas em litografia colorida por Engelmann e
Graf, a célebre companhia que introduziu a litografia na França e foi pioneira
na sua aplicação com cores, da qual ‘Grand jeu de sociètè’ está entre seus
primeiros exemplares.
A coleção continua com a parte 2: Astrologie ancienne et moderne contenant
toutes les tables nécessaires pour dresser toutes sortes de thème, em quel lieu
et pour quel que ce soit; suivi d’um traté des nombres cabalistiques (Astrologia antiga e moderna contendo todas
as tabelas necessárias para desenhar todos os tipos de mapas em qualquer lugar,
para qualquer um, seguida de um tratado sobre números cabalísticos); Parte
3: Traité complet de chiromancie ancienne
et moderne; suivi d’um petit traité de physiognomonie et craniologie, d’aprés
Lavater et Gall (Tratado completo de
quiramancia antiga e moderna; seguido por um pequeno tratado sob fisiognomonia
e craniologia, segundo Lavater e Gall), publicado atualmente ‘au dépôt du
Grand jeu de société; Parte 4: Le jeu de la
fortune, ou response des dieux, déesses, demi-dieux et héros de l’antiquité aux
questions qui leur sont adressées sur les destinées humaines (O jogo da sorte ou resposta dos deuses,
deusas, semideuses e heróis da antiguidade para questões às quais são perguntados
sobre destinos humanos); parte 5: Les
oracles de douze sibylles, ou solutions par les nombres aux questions proposées
(Oráculos das doze sibilas, ou soluções
para perguntas propostas por números), todos publicados em 1845.
Essa ‘obra imensa’, ‘bem escrita e arranjada’
é, supostamente para ser colecionada pelos ‘femme d’esprit’, de quem o nome
deve permanecer oculto. As explicações das cartas são vagas reminiscências do
Petit Etteilla, mas atribuem vários significados para diferentes assuntos. Em qualquer
caso, eles não correspondem a menor alusão encontrada nos escritos de Mlle Le
Normand. Além disso, é claro que ela usava um baralho de 32 cartas. Os volumes
seguintes trazem indícios óbvios de uma obra apócrifa: nem seu estilo nem sua
terminologia tem qualquer relação com qualquer tema de Mlle Le Normand. O volume 1 foi reeditado por
Breteau em 1865. Era vendido com a nova edição das cartas
‘atro-mitológicas-heméticas’, impressas em litografia de crayon por Bertatus e
coloridas à mão.
O ‘Grand jeu de Mlle Lenormand’ fez surgir uma cópia adiantada: em cerca de
1850 a editora de J.F. Aug. Reiff publicou um baralho de 55 cartas cujos títulos
das cartas tem a marca ‘Wahsage-Karten der berühmten Mlle Lenormand’ (cartas
divinatórias de Mlle Lenormand). As cartas são arranjadas de forma diferente:
cena central está na parte inferior da carta e figuras pequenas aparecem no
centro. As contelações foram omitidas.
Baralhos mais recentes surgiram por volta de
1850 sob o nome de ‘petit lenormand’. Sua composição de 36 cartas aponta para
países germânicos ao invés da França, onde tal composição não era usual desde o
século XVII; sua iconografia simples não tem nem a ver com o ‘Grand jeu de Mlle
Le Normand’ nem com os métodos de leitura de cartas próprios de Mlle Le
Normand. As miniaturas de cartas que, por vezes, substituem as marcas francesas
na parte central superiora, mostram padrões de naipes típicos da Alemanha e França.
Cada carte tem somente um símbolo: um anel, um navio, um coração, etc.
Fabricantes de carta alemães, austríacos e, até mesmo, belgas e suíços fabricavam
e ainda fabricam esses ‘Petit Lenormands’. Incrivelmente, esse tipo de cartas
nunca foi produzido na França.
Detlef Hoffman mostrou que seu protótipo pode
ter, claramente , vindo de um lindo baralho de cartas peculiares chamado ‘Das
Spiel der Hofnung’ [sic] / Le jeu de l’esperance’ (O jogo da esperança),
publicado por volta de 1800 por G.P.J. Bieling de Nuremberg. Supreendentemente,
ele não é um um baralho divinatporio, mas um jogo de tabuleiro! O folheto que o
acompanha (Das Spiel der Hofnung [sic], mit einer neuen Figurenkarten von 36
illum. Blättern. Zwite verbesserte Auflage, ex. O jogo da esperança, com novas
cartas ilustradas [feitas] de 36 iluminuras. Segunda edição ampliada)
descreve as regras: as cartas devem ser
arranjadas para formar um quadrado de 36x36 em ordem numérica. Dois dados são
usados e cada jogador move seu peão de acordo com os dados até a trigésima
sexta carta. Como nos jogos de tabuleiro, há casas que de sorte e azar.
Todavia, nas últimas linhas do texto dizem que ‘com as mesmas cartas pode-se
fazer um divertido jogo de adivinhação’. É um sistema simples de
pergunta-resposta usando somente 32 cartas dispostas em 8 fileiras de 4 cartas.
As cartas são gravadas e belamente coloridas à mão. Cada uma possui duas cartas
em miniatura : uma de naipes alemães conhecidos como ‘padrão Ansbach’ e o a
outra do assim chamado ‘padrão bávaro-parisiense’ (naipes franceses). Os
símbolos e números são os mesmos nos baralhos posteriores.
*
No final, a carreira de Mlle Le Normand provou
ser muito bem sucedida. Seu modernos senso de publicidade e seu uso da mídia do
momento – livros circunstanciais, artigos da imprensa, mesmo os adversos, sem
falar da grandiosidade de seu funeral – conderam-lhe fama universal. A única
coisa que lhe interessava era deixar seu nome para posteridade. Nenhuma teoria
ou mensagem. Ela não criou ou inspirou a criação de qualquer baralho de cartas
divinatórias. Escreveu muitos livros, porém, todos focados em suas visões e
encontros históricos. Ela mal sabia o que era o tarô e nunca mencionou Court de
Gebelin, Etteilla ou seus seguidores. Mas os anos não eclipsaram seu nome: ela
permanece a maior cartomante de todos os tempos.